domingo, 6 de novembro de 2016

Palavras que educam


O título acima é um fragmento do evento que participei na UCSC de Piacenza, no dia 3/11/16, Quando dire è dare forma: la parola che educa”, uma espécie de aula inaugural do Curso de Ciências da Formação. A composição da mesa inicial envolveu diferentes olhares sobre o tema da palavra: literatura, pedagogia, comunicação e filosofia. Em comum, a centralidade da palavra dita e não-dita nas relações pedagógicas.

Na dimensão literária, a metáfora a partir da história de Pinóquio (Carlo Collodi) e seus personagens Grilo Falante, Lucignolo/Pavio e Gepeto, a Professora Paola Ponti enfatizou os sentidos da palavra como consciência, sedução e mediação. Por fim um olhar à  humanidade de Pinóquio construída/obtida também a partir de suas narrativa, sobretudo a partir da pergunta sem julgamento de Gepeto, como por exemplo: “o que aconteceu”, que propicia um novo modo de falar e redimensiona o sentido do “dar a palavra”.

“Dar a palavra” que também pode ser entendido  no processo educativo de alfabetização  cultural e na promoção do diálogo, como enfatizou o Prof. Pierpaolo Triani. Para ele, somos formados e plasmados de uma pluralidade de fatores: ambiente, relações, escolhas e das palavras que encontramos, ouvimos, dizemos, e entendemos.  Para ele, “dar a palavra” é diferente de dar a voz, porque essa todos temos”, e é essa condição de entender a palavra do outro e de dizer a própria palavra que assegura a construção e expressão de subjetividades, de interpretação de mundos e do diálogo no sentido proposto por Paulo Freire, em referência ao educador brasileiro.  E continuou sua fala trazendo grandes educadores e seus domínios das palavras, com ênfase ao desafio de hoje, quando nossas palavras estão sob controle  das mais diversas naturezas construindo nossa comunicação.

Na continuidade, o olhar da comunicação trazido pelo Prof. Piermarco Aroldi problematizou a palavra em rede e como as formas de conversação  produzem a sociedade. A partir de uma breve síntese histórica, desde a etimologia da palavra até uma fenomenologia da conversação, a evidencia do quanto as palavras que usamos criam condições para viver em comum.  Aliás, a arte da conversação é uma forma cultural que foi se construindo conforme o contexto sociocultural, com as mais diversas conotações de seus discursos sociáveis e suas regras convesacionais que constroem formas sociais, como por exemplo, as conversações: civil, agradável, polida, cortes, sempre buscando expressar “a arte de estar juntos”, o que não exclui os conflitos. Para Aroldi, hoje, a conversação online assume uma configuração muito diferente que tece a trama social, e de um lugar que não é público nem privado. Ele pergunta: que regra conversacional estamos criando? A que tipo de sociedade estamos dando forma com nossa conversação social mediada pela web? Nesse exercício de convivência civil que depende certamente da tecnologia, mas sobretudo de nossa perspectiva ética, Aroldi nos convoca a pensar nas formas de nossa conversação  e sua qualidade social, visto que somos responsáveis pelas palavras que usamos.

Diante de tal responsabilidade, Elena Colombetti destacou a relação entre palavra e identidade a partir do “eu narrável” e ponderou a dificuldade de expressar e dizer quem somos. Os limites do nome, das escolhas, do que fazemos, de nossa história e das relações que estabelecemos. Fotografias e retratos para olhar o instantâneo e buscar o mais profundo. Para dizer quem somos com palavras, temos que narrar um vida em relação com o outro e com a pluralidade das histórias que ouvimos e contamos na temporalidade do ser no tempo. Contradição de saber que o ser é mais amplo que a palavra que o constitui.


Em meio a tantas palavras e sentidos, como não pensar nos usos que fazemos ou que deixamos de fazer de nossas palavras nos mais diferentes espaços e ambientes? Afinal, num contexto de “pós-verdade” com que nos deparamos nesse momento, o quanto tais palavras estão nos (des)construindo e consequentemente (des)construindo realidades?  

2 comentários:

Douglas Alves disse...

Olá, boa tarde!
Gostei muito do título, "Palavras que educam", e fiquei imaginando a riqueza desse evento aos presentes.

O texto em si me fez recordar algumas questões. Sobre o que o Prof. Pierpaolo Triani assinalou, da distinção entre “dar a palavra” e "dar a voz", achei muito interessante esse enfoque e também incluiria, entre estes, o "dar o ouvido" ao outro para assegurar "a construção e expressão de subjetividades". Considerando o que Miguel Arroyo e Rubem Alves identificaram (o primeiro de que carecemos de uma prática da escuta; e o segundo de que temos em excesso cursos de oratória, mas nos falta cursos de escutatória), acredito que "dar o ouvido" ao outro seria a base para dar-lhe também a voz e a palavra.

A respeito da fala do Prof. Piermarco Aroldi, da "palavra em rede e como as formas de conversação produzem a sociedade", me fez lembrar do filme "Medos Privados em Lugares Públicos" (Coeurs, 2006, de Alain Resnais), para mim uma obra que sintetiza de forma bastante poética a (in)comunicação em nossos tempos. Não sei se já assistiu; é um belo filme.

Sobre a palavra, Valter Hugo Mãe, em sua obra "A desumanização", nos traz uma profunda reflexão (compartilhada em outros sentidos e contextos por Criolo e Manoel de Barros):
"As palavras não são nada. Deviam ser eliminadas. Nada do que possamos dizer alude ao que no mundo é. Com trinta e duas letras num alfabeto não criamos mais do que objetos equivalentes entre si, todos irmanados na sua ilusão. As letras da palavra cavalo não galopam, nem as do fogo bruxuleiam. E que importa como se diz cavalo ou fogo se não se autonomizam do abecedário. Nenhuma pedra se entende por caracteres. As pedras são entidades absolutamente autónomas às expressões. As pedras recusam a linguagem. Para a linguagem as pedras reclamam o direito de não existir. Se as nomeamos não estamos senão a enganarmo-nos voluntariamente. Às pedras nunca enganaremos. Elas sabem que existem por outros motivos e talvez suspeitem que o nosso desejo de falar seja só um modo menos desenvolvido de encarar a evidência de existir".

E a reflexão no final, mais que pertinente...
Obrigado!

Monica Fantin disse...

Boas reflexões assim como as inspirações e as possíveis complementações com filmes e obras literárias, que certamente enriquecem a discussão..