quinta-feira, 30 de maio de 2013

Entre leituras e leituras



Por ocasião do Fórum catarinense do livro e de leitura  realizado em Florianópolis, no dia 27/5/2012, entre organizadores, representantes de diversas instituições (MINC, Secretaria Estadual de Cultura, Secretaria Municipal de Educação) e a diversidade de participantes com os mais variados interesses, o escritor Affonso Romano Sant’Anna foi uma das inspirações para pensar a elaboração de planos de cultura em diferentes âmbitos (local, estadual e nacional).

Com o talento da palavra que lhe é próprio, Affonso Romano falou de “leitura mas não de leitura”. Ou seja, falou dos vários entendimentos que temos a respeito de leitura e suas diversas faces, e partindo de sua trajetória explicou o que ele entende quando fala de leitura, que certamente  se diferencia de muitos outros entendimentos.

Destacou que a palavra leitura é recente, como o são tantas coisas em nosso país, tanto no vocabulário de certa elite como nas políticas públicas e nas práticas culturais. Assim, a primeira editora brasileira foi criada  em 1917, por Monteiro Lobato, e a primeira biblioteca pública infantil, em 1936, por Borba de Moraes. No entanto, a palavra leitura não era discutida. Anos mais tarde, na década de 1960, Paulo Freire criou um “método de alfabetização” em que a palavra leitura era um pressuposto, estava submersa no entendimento que a leitura de mundo precede a leitura das palavras. E finalmente em 1992, foi criada uma política pública com o Programa Nacional de Incentivo à leitura, o PROLER, vinculado ao Ministério de Cultura e à Biblioteca Nacional, que naquela época era presidida pelo escritor, Affonso Romano.

No entanto, a leitura continuou sendo pouco discutida e valorizada em nosso país, não apenas por desconhecimento, ignorância, falta de compromisso com a cultura e/ou incompetência de nossos gestores, mas também a partir dos vários entendimentos sobre o que seja leitura e sua importância. Alguns intelectuais e também gestores de instituições públicas consideram que leitura diz respeito apenas à escola; grande parte dos editores, por sua vez, falam de livros na perspectiva de mercado, não de leitura nem de leitores. E os professores e estudantes, o que entendem por leitura? Qual a presença da leitura em nossa vida e na sociedade contemporânea?

Então Affonso Romano tocou em uma questão primordial: “o lugar comum e o vício de associar leitura com prazer”. Com o desafio de ir além da idéia do “prazer do texto” ao qual Barthes se refere, ele chama atenção na associação leitura-prazer visto que nem sempre leitura significa prazer: “leitura pode ser prazer às vezes, mas leitura é  sobretudo trabalho”, pois nasceu da necessidade.

Ao narrar diversas experiências de como a leitura pode transformar a vida das pessoas, ele destacou a especificidade de certas práticas de leitura e as sensibilidades que exigem, afinal, “nem todo mundo tem tempo para Proust e nem todos possuem sensibilidade para poesia” que requer outra sintonia.

Por fim, o escritor destacou algumas situações inusitadas que abriram certas portas da leitura na vida de diferentes pessoas, sempre afirmando a importância de encontrarmos as chaves apropriadas para abrir as diversas portas que existem.
E que hoje, neste momento chave que vivemos, a tecnologia pode ser uma das chaves.

Além dos diversos modos de ler, a cultura digital propicia mais que um suporte do livro ou um espaço de leitura com inúmeras facetas multimídias. Assim, certas mídias, tecnologias e suas ferramentas podem assegurar ter a bibliotecas ao alcance da mão, com uma diversidade de repertórios inimagináveis, que envolvem desde grandes clássicos da “literatura universal” até recentes produções literárias que podem ser encontradas de forma gratuita nas redes digitais.

Certamente a cultura digital implica outros modos de ler, de ver, de saber e de habitar e temos que continuar a problematizar o que entendemos pelas diferentes práticas de leituras que essa cultura propicia. Questões básicas como as modificações no suporte (da leitura no papel impresso e nas telas), as sensibilidades do uso, manuseio e materialidade do livro impresso, as novas sensibilidades provocadas pela hipertextualidade do digital até as lógicas de leituras que operam de diferentes formas em diferentes cenários, sejam elas verticais, horizontais ou transversais e seus modos de atenção e apreensão.

Enfim, se U. Eco e J. C. Carrière estão certos ao dizer Não contém com o fim do livro, e se Affonso Romano está certo ao falar lindamente da importância de Ler o mundo e da “leitura como uma tecnologia”, com a licença poética que cabe em nossas tantas releituras, podemos dizer: enquanto uma criança estiver lendo, não contém com o fim das leituras e não das leituras...



domingo, 19 de maio de 2013

Aprendizagem colaborativa em rede




Na X Jornatec, que aconteceu nos dias 29 e 30/4/2013 em Florianópolis, fui convidada a participar da Mesa Redonda “Desafios do trabalho em rede e da aprendizagem colaborativa na cultura digital”, ao lado de Tel Amiel (Unicamp), Luli Radfaher (USP) e da mediadora Marta Borges (UDESC).

Tel Amiel  trouxe sua contribuição a partir dos eixos participação, remediação e bricolagem. Ao enfatizar que a cultura digital não é igual para todo mundo, ele apresentou dados estatísticos de diversos países e nesse sentido sua fala se aproximou de alguns argumentos que eu também costumo destacar, visto que a dimensão do acesso é apenas um aspecto da inclusão que ainda não foi resolvido, e que a distribuição de computadores não é igualitária. Destacou também a importância de continuar a pensar na mídia tradicional considerando que a noção de participação e colaboração não ocorre só no digital. E por fim, ao mencionar a necessidade de pensar a produção de conteúdos digitais, ele destacou a importância da prática do remix e do sampleamento  nas salas de aula como forma de busca e criação.

Por sua vez, Luli Radfaher  lembrou a importância da cópia no processo de aprendizagem e seu papel na invenção de “coisas novas”. Ao falar que as mudanças da sociedade nem sempre são acompanhadas por mudanças na escola, mais que repetir o mantra, ele pergunta pela construção da escola do século 21, e reforça a necessidade de pensarmos nos conteúdos digitais, destacando o digital como uma linguagem importante para aprender no sentido de minimizar o digital divide.

De minha parte, enfatizei alguns aspectos do que hoje tem sido entendido por cultura participativa perguntando o que entendemos por participar da cultura digital e quem de fato está participando, no sentido de desnaturalizar certos discursos e problematizar certas práticas. Falar de participação na cultura digital implica pensar nas formas de aprendizagem que ocorrem no espaços formais e  informais e na mediação da escola diante das modificações nas formas de aprendizagem que a cultura digital promove. Como aproximação aos aspectos que caracterizam a aprendizagem colaborativa a partir de Kaye (interdependência dos participantes do grupo, co-divisão de tarefas e organização dos processos grupais e finalidades compartilhadas a fim de construir algo novo a partir da colaboração) e destaquei as possibilidades de entender a rede a partir do que propõe Rivoltella: como ambiente de conhecimento, contexto comunicativo e lugar de compartilhamento de experiências de pesquisa.

E por falar em pesquisa, diante da pesquisa em parceria interinstitucional que estamos desenvolvendo entre UFSC, UDESC e UFBA sobre “Gestão e práticas pedagógicasno âmbito do ProUCA em SC e BA”, mencionei um dos eixos da investigação que  se refere ao apoio à criação de rede colaborativa entre os professores. A esse respeito, análises parciais sinalizam a dificuldade de o professor se articular em rede, seja devido aos limites das condições de trabalhos e tempo,  seja devido aos limites ligados à construção de competências profissionais para tal.

Por fim, o desafio: O que entendemos por  ensinar /aprender/pesquisar colaborativamente e em rede com crianças e jovens na cultura digital?