segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Estudantes, Do It Yourself e entornos tecnológicos de aprendizagens em diálogo



Por vezes, tão importante quanto fazer referência aos eventos que participamos, pode ser compartilhar um pouco algumas cenas dos bastidores, que nesse caso fizeram a diferença para mim. No dia 4/11/2016, ao caminhar pelas ruas de Barcelona procurando o Museu de Arte Contemporanea, MACBA, local onde se realizaria o Simpósio Focusing on the learning: The Philosophy at School and University to Forster Student Agency and Collaborative learning, encontrei um homem que era de Londres e que estava na mesma situação, ou seja, também estava indo ao evento. Quando falou onde trabalhava, na London School of Economics, disse-lhe que conhecia o trabalho de alguns professores de lá, como Sonia Livingstone, e quando ele disse que trabalhava com ela, aos poucos descobri que ele era Julien Sefton-Green, o professor que faria a conferencia de Abertura no simpósio. Logo em seguida chegamos ao local e encontramos os anfitriões do evento, Fernando Hernandez e Juana Sancho Gil, professores da Universidade de Barcelona. Narrei esse encontro pois esse acaso possibilitou uma troca muito particular  durante o evento e assegurou outros olhares às demais participações.

O tema do evento foi em torno da pesquisa DIYLab – Do It Yourself in Education: Expanding Digital Competence to Foster Student Agency and Collaborative Learning, que por sua vez é fruto de um consórcio e projeto europeu que envolveu pesquisadores de Barcelona /Espanha, Finlandia e República Tcheca. Interessante destacar que além dos pesquisadores, os professores das escolas que participaram da pesquisa também estavam presentes socializando as experiências, e como é comum nesse tipo de evento de socialização da pesquisa, sempre se  destaca a presença de convidados para discutir os resultados da investigação.

O sentido da aprendizagem Do It Yorself, que no contexto da pesquisa foi entendido como “faça você mesmo colaborativamente”,  foi a base da discussão que considera os estudantes no centro da experiência de aprendizagem, criadores dos seus próprio processos e materiais/produções de modo colaborativo.  A ênfase no potencial  e na capacidade de agência dos estudantes, no desenvolvimento de suas competências digitais e nas práticas colaborativas com o uso de tecnologias permeou a discussão das diferentes experiências. Como a programação do simpósio estava muito intensa, farei uma breve síntese para compartilhar alguns pontos que chamaram minha atenção.

Na conferência de abertura,  os desafios de ensinar e aprender na sociedade digital, com o tema Do-it-Yoursef: a cultural history of digital autodidactism, Sefton-Green refletiu sobre como o autodidatismo   pode reconduzir os novos modos de aprendizagem a partir da noção de “faça-você-mesmo” e da “cultura maker”. Pautado em recentes estudos etnográficos que acompanharam jovens dentro e fora da escola, o destaque para alguns episódios que evidenciaram aprendizagens autodidatas desencadeadas pelo acesso ao Youtube e seus tutorais. Interessante destacar  que a partir dos exemplos dado, sobre aprendizagem de música, também foram evidenciadas algumas práticas clássicas que requerem disciplina, ensaio e dedicação. Nesse sentido, Sefton-Green também enfatizou algumas características da especifidade de tais  aprendizagens informais  e as possibilidades deste tipo de canal se tornar um recurso-chave para a educação formal, desde que se atente para a questão da disponibilidade e qualidade do que é proposto e/ou escolhido. Ele também discutiu alguns mitos presentes nessa noção de agência, de ativismo, do digital e do potencial democrático que está redefinindo novas formas de aprendizagem e de participação.  Por fim,  ele destacou a necessidade de mais pesquisas a respeito, sobretudo em contextos em que a diferença de capital social e cultural e sua distribuição desigual repercute de modo diferente em certas práticas e que não podem ser consideradas como padrão. Ou seja, se a distribuição é desigual, temos que ter essa consciência em nossas análises. Parece óbvio, mas por vezes certas visões celebratórias deixam de explicitar tais questões, que certamente são muito instigantes.

Ao expor alguns resultados e desafios do projeto DIYLab, o professor Fernando Hernandez situou alguns pontos-chaves que fundamentam a pesquisa e redefinem certos conceitos: DIY; criatividade; auto-avaliação; competências digitais; o trabalho com escolas e cultura de troca e intercâmbio entre realidades sociais diversas; a construção e o  exercício da noção de agência, no presente e construindo o futuro hoje; e a reflexão constante sobre os desafios do percurso. Assim, para ele, o DIY não é aprendizagem individual,  a criatividade é um processo coletivo, se aprende com  os outros para compartilhar e seguir aprendendo, e o sentido de colaboração se evidencia em todo o processo. Ou seja, o DIY  não é apenas “fazer coisas” e sim uma filosofia.

Na continuidade, as experiências, as questões, os desafios e as especificidades da pesquisa nos contextos finlandês, tcheco e catalão a partir das narrativas de pesquisadores e professores de diferentes níveis de ensino. Relatos de experiências sobre a filosofia DIY no ensino superior e em outras instituições enfatizaram o potencial transformador da cultura e do movimento “maker” na Universidade de Barcelona, na Universidade de Girona, no Centro de Arte e Criação Industrial de Asturias,  e na Universidade do Missouri.

Na mesa de convidados externos que discutiram a pesquisa foram apontados diferentes aspectos  conforme as procedências e lugares de cada um de modo a problematizar certos aspectos que emergiram na discussão. Também destaco  uma mesa redonda com professores e estudantes evidenciando o que mais aprenderam com a participação no projeto.

No encerramento com os coordenadores de cada equipe, a professora Juana Sancho destacou a importância do trabalho de colaboração, pois “o grupo chega onde o indivíduo não chega”. Entre as dificuldades, ela sublinhou a rigidez  do sistema educativo e certa  “colonização mental”, sobretudo na universidade, o que nos desafia a “desconstruir para construir”.

A discussão desencadeada no simpósio teve certa continuidade com a participação de dois convidados na disciplina ministrada por Profa. Juana Sancho na UB.  A professora Mariana Maggio, da Universidade de Buenos Aires,  enfatizou as práticas narrativas que articulam experiências de aprendizagem a partir de alguns pilares que tem trabalhado na formação universitária portenha: combinação, intermitência, documentação  e alteração de formas. A “didática ao vivo” e as diferentes formas de socialização dão visibilidade às mudanças pedagógicas propiciadas pela filosofia DIY.  Por sua vez, o professor Ralph Cordova, da Universidade do Missouri/St Louis , EUA, refletiu sobre algumas perspectivas teóricas desse movimento maker  a perspectiva cultural e do fazer; a perspectiva da alfabetização e linguagens; a perspectiva da oportunidade de aprender a aprender; e a perspectiva das paisagens culturais para a aprendizagem. Por fim, a reconstrução do processo, o destaque para a possibilidade de implicar o aluno e de transformar as situações...


Desafio imenso se considerarmos os atuais cenários em que vivemos!

2 comentários:

Douglas Alves disse...

Sim, por vezes esses acontecimentos dos bastidores, esses "encontros e desencontros", são tão importantes quanto os eventos em si. Gostei demais da forma que o encontro entre vocês aconteceu (só essa passagem já daria uma bela obra literária...).

"pois 'o grupo chega onde o indivíduo não chega'”. Que bonito e de uma força intensa essa pequena frase. Tão óbvio, tão esquecido.

Você tem uma forma de escrita muito leve, Monica. Meus parabéns!
Continue escrevendo e contando um pouco mais de suas experiências (sem esquecer de contar essas dos bastidores).

Monica Fantin disse...

Obrigada, Douglas.