sábado, 30 de abril de 2016

O brincar e as telas

Há muito tempo se discute a importância do brincar no desenvolvimento da criança, e diversos são os autores que se debruçaram sobre o tema desde o início do século passado. Ainda nos anos 90,  na minha em pesquisa de mestrado Jogo brinquedo e cultura na educação infantil, publicada no livro No mundo da brincadeira (Cidade Futura, 2000) entendia a brincadeira na tripla dimensão de ser linguagem, forma de conhecimento/desenvolvimento e objeto sociocultural. Inspirada na pesquisa Imagens de Infância, desenvolvida no início dos anos 90 por Telma Piacentini, minha então orientadora, ela enfatizava a importância do brincar na construção de uma infância feliz e saudável. De lá para cá essa tema acompanha minha trajetória profissional, com participação na instalação do Museu do Brinquedo da Ilha de Santa Catarina, e com diversas interfaces de pesquisa: os estudas da infância, a mídia-educação, a formação de professores e a cultura digital. Os atravessamentos que configuram o brincar no contemporâneo, sobretudo quando certas tecnologias podem ser entendidas como brinquedos, tem nos desafiado ainda mais.    


Recentemente, ao ler o livro do psiquiatra francês e doutor em Psicologia, Serge Tisseron, Diventare grandi all’epoca degli schermi digitali (Crescer na época das telas digitais), ainda não traduzido no país, essa questão novamente me inquietou. Afinal, não é de hoje que observamos o brincar cada vez povoado por personagens de filmes, games e animações provindas das mais diversas telas e de suportes transmidiáticos. Na contracapa do livro, uma síntese: “Com que idade e com quais modalidades introduzir as telas – da televisão, do videogame, do computador – na vida das crianças?  A fórmula 3-6-9-12 indica quatro etapas fundamentais: 3 anos, entrada na educação infantil; 6 anos nos anos iniciais do ensino fundamental I ; 9 anos encontro com a leitura-escrita; 11/12 anos, passagem para o ensino fundamental II. Assim como existe regras para introduzir uma dieta na vida da criança com leite, verdura e carne, do mesmo seria possível imaginar uma “dietética” das telas para aprender a usá-los corretamente. Renunciando a duas tentações : idealizar estas tecnologias e demonizá-las. Um texto voltado aos pais e professores, para entender e aprofundar um nó educativo cada vez mais central”.

O livro discute as possibilidades e os desafios das telas (e consequentemente do brincar) em cada idade, mas sempre enfatizando a importância de conversar e negociar com as crianças.
Tisseron participou do manifesto elaborado pela Accademia delle Scienze, que se configura também como forma de responder às perguntas mais candentes de pais e professores, sobre quando e como usar as telas na vida das crianças. Destacamos: “Antes dos 3, evitar as telas.  Não a console e tablet pessoal antes dos 6 anos. Internet, depois dos 9 anos. Redes sociais, depois dos 12 anos.” (...) “Em qualquer idade, escolher os programas junto com as crianças, limitar o tempo de consumo, convidar as crianças a falarem sobre o que  assistem ou fazem encorajando as suas produções”.

Certamente são questões polêmicas que merecem uma bela e longa discussão e que não podemos nos furtar, sobretudo diante da diversidade de práticas culturais que as crianças das mais diferentes idades constroem no contexto da cultura digital, com ou sem mediação adulta. O que interpela ainda mais os que atuam com a formação.

Coincidência ou não, alguns dias após finalizar a leitura do livro para a escrita de uma resenha, me foi compartilhado um vídeo sobre o último documentário do polêmico M. More, Where to Invade Next, que pretende mostrar “como se vive em diversos países da Europa” (Itália, França, Finlândia, etc.) para “aprender a viver melhor”. O documentário foi exibido  em diversos festivais mas há um recorte interessante sobre o brincar, em que ao falar da educação finlandesa,  enfatiza a importância que o brincar assume na educação das crianças. Não sem ironia, ele mostra que o tempo do brincar assegurado na escola das crianças é/era um dos segredos  do sucesso da educação [não apenas] daquele país.


Evidentemente, a diversidade das questões sociais, econômicas e culturais que atravessam os mais diferentes contextos devem ser consideradas, mas nunca é demais reafirmar a importância do direito de brincar.