sexta-feira, 27 de maio de 2011

Outros olhares sobre as crianças


Ao abordar os diferentes aspectos epistemológicos do conhecimento que tem fundamentado as pesquisas sobre criança, infância e educação, o desafio lançado ao grupo de estudantes que fazem a disciplina Educação e Infância II no Curso de Pedagogia era identificar as contribuições das diversas áreas no estudo e na pesquisa em torno da infância. Para tal estamos na companhia de diversos autores que tem pesquisado a esse respeito. Ultimamente temos discutido: infância, pesquisa e relatos orais; questões éticas e teórico-metodológicas da pesquisa com crianças e mídia; significados de escola e saber para crianças de área rural; crianças entre a sedução e o perigo das cidades; concepções de infância em diferentes grupos indígenas; crianças e suas produções escolares; crianças, mídia e cotidiano; crianças e os repertórios lúdicos contemporâneos.
Uma pesquisa dialogando com a outra numa verdadeira polifonia onde os sujeitos de pesquisa eram na maioria das vezes, crianças. No entanto, uma das questões que mais chamou a atenção das estudantes foi a respeito da concepção de infância entre diferentes grupos indígenas.

Para além do estudo e discussão do texto, convidei uma ex-aluna do curso, Joana Mongelo, que é indígena, e que em 2008.1 eu tive a felicidade e o desafio de ser sua professora e acompanhar seu estágio na escola do ensino fundamental em uma Escola Indígena e bilíngüe, da Aldeia Guarani de Morro dos Cavalos, distante cerca de 40km de Florianópolis. Experiência sem igual. Na semana passada Joana gentilmente conversou com o grupo esclarecendo uma série de questões a respeito do lugar que a criança ocupa naquela cultura e a respeito de uma série de perguntas que as alunas haviam ficado intrigadas: questões sobre liberdade, respeito, autonomia, aprendizagens, brinquedo, arte, trabalho, tradição oral, acolhimento, relação com a natureza, vida e morte, sagrado e profano.

Entre tantas lições que aprendi com Joana quando acompanhava seu trabalho na escola,  sempre  tentando controlar o tempo para poder acompanhar o estágio das outras estudantes nem  uma escola pública da ilha, lembro que ela dizia: "a professora está sempre com pressa e que quem está apressado não ouve Deus". Aliás, ainda hoje ela fala que o “o juruá (forma de se referir aos brancos) é muito rápido e não presta atenção...”. Na verdade, Joana tem razão: tem tantas coisas que verdadeiramente não prestamos atenção, sobretudo a respeito da criança na escola.. Haja pesquisa para decifrar os enigmas da infância e tantas faltas de atenção!

Para compensar, nada como uma discussão sobre a importância da brincadeira na educação da criança, sobretudo quando pretendemos contribuir para a construção de uma “infância feliz e saudável”. Um bom começo foi visitar o acervo do Museu do Brinquedo da Ilha de Santa Catarina, em exposição permanente no hall da Biblioteca Central da UFSC, tanto para recuperar a magia de certos brinquedos de nossa infância quanto para entender os repertórios lúdicos atuais.

Fotos: Crianças brincando na Escola da Aldeia Guarani de Morro dos Cavalos;  Crianças visitando o  Museu do Brinquedo da Ilha de Santa Catarina (acervo da autora)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Criação de redes entre pesquisadores


Nos dias 28 e 29 de abril de 2011, Juana M. Sancho e Fernando Hernandez, professores e pesquisadores da Universidade de Barcelona, estiveram na UFSC para conversar com professores, pesquisadores e estudantes da graduação e pós-graduação do Centro de Educação. A conversa foi muito estimulante e altamente inspiradora. Tentarei sintetizar alguns aspectos que chamaram minha atenção.

Ao situar o contexto da reestruturação da universidade espanhola, Juana apresentou a trajetória do grupo de pesquisa que eles coordenam, o Esbrina - Subjectivitats i entorns educatius contemporanis, a equipe de pesquisadores, os princípios orientadores do grupo e a dinâmica de trabalho que eles vêm construindo e consolidando nos últimos anos.

Diante de um cenário em que as demandas e exigências de diferentes instituições e agências de fomento têm imposto um viés cada vez mais competitivo entre os grupos, fazer pesquisa e divulgá-la no mundo torna-se uma atividade mais que necessária, vital para o cientista e pesquisador. E a forma que o ESBRINA encontrou para ser um grupo consolitat na Espanha, validado e certificado a partir de rigorosos critérios de avaliação, foi a construção de parcerias.

“As redes importantes são as pessoas que você conhece”, disse Juana, destacando uma condição para o trabalho de pesquisa e existência de grupos consolidados no contexto atual. “Ou estamos em rede ou não estamos. Ou aplicamos projetos coletivos ou não somos pesquisadores hoje”. No entanto, não basta apenas juntar grupos, sendo necessário interrogar a força de pesquisa dos grupos de cada universidade. Se for só um, dificilmente se sustenta.  E isso de certa forma referenda o que temos buscado construir no grupo de pesquisa que coordeno, pois parece que estamos no caminho certo quando buscamos diálogo e parceria com outros pesquisadores.

E assim fomos conhecendo um pouco do processo de construção coletiva do grupo Esbrina, que em catalão significa indagar, mirar. É formado por 37 professores e pesquisadores de diferentes grupos e instituições em que o trabalho de liderança pedagógica é muito importante para autorizar a todos aprender e ensinar. Aliás, uma característica do grupo que ficou evidente é a atuação de cada um a partir de uma decisão coletiva, fundamental para implicar a todos no trabalho.

O grupo se reúne periodicamente com reuniões de formação em que as pessoas se comprometem a participar de projetos coletivos e colaborativos a partir de estudos desenvolvidos no grupo. “Se as pessoas não produzem ‘produção científica’, não participam do grupo Esbrina”, enfatiza Juana. E continua: “para estar no grupo e ser membro participante é necessário se comprometer em publicar pelo menos 2 artigos por anos em revistas indexadas”, esclarecendo que “se a pessoa não quiser ser participante, pode ser apenas colaborador”. Afinal, “o grupo tem que produzir não só projetos, mas produção científica”, pois sabemos que é pesado carregar quem  não produz. E com todas as críticas que se possa fazer em torno da questão dos tipos de produção e avaliação, um contraponto é a possibilidade de “ficar feliz em ser avaliado porque pelo menos alguém te olha... “

Mas por que destacar esses detalhes de participação se cada grupo tem sua história, identidade e  especificidade? Justamente pela possibilidade de troca e de aprendizagem, uma vez que essa questão tem sido muito discutida entre nós, sobretudo nos últimos meses, e diante da dificuldade que certos grupos de pesquisa encontram para organizar seus trabalhos e assegurar uma participação efetiva de seus membros e realmente comprometida com os interesses do grupo.

Outro aspecto que chamou minha a atenção é o belo trabalho de divulgação e socialização  dos projetos e da produção acadêmica que o Esbrina faz em seu repositório digital, construído  no site do grupo mantido por um funcionário altamente capacitado, um engenheiro de informática que também se interessa por temas da educação. Isso nos faz pensar na dificuldade  que enfrentamos diante de condições tão precárias de trabalho, quando por vezes nem é possível assegurar a presença de bolsistas para manter o site do grupo atualizado.

Movendo-se em diversos projetos nacionais e internacionais e com a perspectiva de uma  Rede e Criação de Centro de Excelência em Pesquisa e Inovação Educativa,  é importante  destacar que o Esbrina atua a partir de 3 Linhas de pesquisa: Aspectos institucionales, organizativos y simbólicos de los entornos educativos en contextos de cambio y complejidad;  Subjetividades emergentes, lenguajes y sistemas de inclusión y exclusión en la sociedad contemporânea;  Cultura visual y tecnologías del aprendizaje en la sociedad del conocimiento.

Diante do que foi brevemente exposto, parece inevitável inúmeros pedidos de pesquisadores para trabalhar junto a esse grupo. E para acolher dignamente Prof. Convidados, Prof. Visitantes, Pós-doc e Bolsistas com estágio no exterior, o grupo decidiu não receber mais de 2 pesquisadores por vez em cada campo de trabalho, a fim de assegurar boas condições a cada um. 

Por fim, aliado ao trabalho do Esbrina, Juana e Fernando destacaram a articulação do trabalho de pesquisa com o Centro de Estudios sobre el Cambio en la Cultura y la Educación, CECACE, e com o INDAGA-T. Afavoriment de l’aprenentatge autònom i col·laboratiu a través de la indagació i la utilització de tecnologies digitals. A respeito desse projeto, ao explicitar a filosofia e seus princípios de trabalho no contexto da inovação docente, Fernando finalizou com a pergunta: “Que estratégias de mudanças estamos desenvolvendo em nossa experiência pedagógica?”  

Sem dúvidas, uma boa indagação...


quinta-feira, 21 de abril de 2011

O garoto selvagem e a pesquisa com crianças



O garoto selvagem (François Truffaut, França, 1969) é um filme que costuma ser muito visto e debatido no contexto da educação. Aliás, o uso do cinema na educação é histórico e possui diversas possibilidades. Nesse caso, parece um lugar comum para “ilustrar” com simplicidade e beleza a complexidade da relação natureza-cultura, mais especificamente o papel da linguagem, da comunicação e da educação no constituir-se humano. Mas além disso, o filme tornou-se um clássico e também por isso merece ser assistido num curso que trata da formação de professores.

Quando assistimos ao filme no curso de Pedagogia, inicialmente contextualizei a obra: baseado em fatos reais, o filme conta a história de Victor, um menino encontrado na floresta de Avignon, por volta de 1798, sem saber falar, andar e se comunicar é levado para a cidade aos cuidados de  dr. Itard que investiga as possibilidades de educar uma criança privada do convívio humano. Situando o enredo do filme apenas para instigar a curiosidade, pontuei algumas considerações sobre o diretor: Truffaut representa o cinema de autor, teve uma vida considerada difícil e em sua produção, ao lado deste filme, de Os incompreendidos, e de Farenheit 451, desenvolveu uma espécie de cinema autobiográfico com temas recorrentes que expressam sua visão de infância, das mulheres, e da escrita. Também destaquei alguns elementos da crítica e potenciais para a discussão: o mito do bom selvagem e a filosofia iluminista, a relação natureza x cultura, linguagem e educação.  

Interessante observar a reação e os comentários das estudantes enquanto assistiam ao filme - com observações que iam desde questões da narrativa fílmica até aspectos  estilísticos e de continuidade – para depois retomá-los na discussão. Aliás, entre as primeiras impressões das estudantes, a história de vida, o percurso e os problemas de aprendizagem bem como o papel do afeto na educação de Victor chamaram a atenção.  

Como um dos objetivos de assistir ao filme em sala de aula era também historicizar as possibilidades da pesquisa com crianças (do enfoque da psicologia experimental até outras abordagens de pesquisa), destacamos alguns aspectos do nosso olhar de espectador como testemunhas e leitores do diário de dr. Itard e da forma como o diretor relaciona  a escrita do diário íntimo com a observação científica. 

Tal como o filme oscila entre opostos (crença na ciência e razão que explica x ceticismo no confronto com o mundo da civilização) nossa discussão foi instigada por ritmos e planos fílmicos e por questões trazidas com a leitura de outros textos: “Infância, pesquisa e relatos orais”, de Z. B. F Demartini e “A pesquisa com crianças e mídia na escola: questões éticas e teórico-metodológicas”, de minha autoria. Com isso, a provocação era a respeito dos estilos educativos verdadeiramente formativos e sobre as mudanças no jeito de fazer pesquisa com/sobre crianças. 

Como chaves para leitura e discussão partimos do mundo pré-simbólico do selvagem às liberdades, constrangimentos e limites na educação e na pesquisa com criança. Da necessidade da comunicação e suas múltiplas linguagens à condição de aprender a ouvir as crianças e seus enigmas, discutimos a importância e os diferentes tipos de relatos sobre e de crianças na pesquisa. Relatos de crianças, jovens ou adultos que envolvem depoimentos, representações, memórias, identidades, imagens, desenhos e produções diversas, infantis ou não, que também expressam diferentes significados atribuídos à participação das crianças na pesquisa, conforme as escolhas metodológicas. 

Assim, a pesquisa com, sobre e para crianças também revela a dificuldade de se deixar captar pelas imagens da infância e pela inversão de olhar. Para tal há que esclarecer os princípios, a metodologia e os instrumentos da investigação. Princípios éticos e estéticos que se manifestam na questão do respeito, da identidade, da autorização, da autoria, e da autenticidade do registro. A questão do método, que tanto revela a concepção de conhecimento, sujeito e infância norteando a investigação, como o papel e o lugar da criança na pesquisa, o que leva a perguntar: preservar ou não a sua identidade? Quando o uso de imagens é necessário? Como deve ser feita a transcrição das falas e da polifonia de vozes das crianças? O que significa dar retorno ou devolutiva aos sujeitos de pesquisa? Quando escolher uma pesquisa etnográfica, de recepção, de representação, de análise de discursos e produções das crianças? Como os instrumentos de pesquisa (a observação, o questionário, a entrevista, o grupo focal) permitem captar os enigmas das crianças e burlar as armadilhas e surpresas que elas preparam ao pesquisador?

Enfim, tal como o garoto selvagem ao final do filme, que não era mais selvagem mas também ainda não era totalmente humano, parecia que o olhar das estudantes no final da aula também não era mais apenas de estudantes, pois a dimensão “pesquisador” no papel de estudante torna o olhar diferente, um olhar que não é mais apenas de estudante mas também ainda não é de aprendiz de pesquisador...

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Filosofia e infância: entre enigmas e finalidades da educação


As perspectivas dos filósofos atuais para a educação são, obviamente determinadas pelas tendências contemporâneas da filosofia, que expressam a profunda consciência da crise que afeta a cultura, em geral, e a instituição educativa e o discurso pedagógico, em particular. Com isso, expressam também o velho problema da educação, que segundo Kant envolve o paradoxo de ter de educar um homem para sua humanidade sem saber verdadeiramente o que é ou deve ser o Homem.

 “O enigma da infância”, pode ser um dos tantos panos de fundo para uma aproximação com infância sob o ponto de vista da filosofia pelo olhar de J. Larrosa. Para ele, apesar de todo o conhecimento que se tem a respeito da criança - livros de psicologia para conhecer seu peculiar modo de ser, sentir, pensar e se expressar, para entender suas satisfações, seus medos e suas necessidades; estudos sociológicos para saber de seu desamparo e abandono; especialistas que dizem o que são e querem as crianças; produtos que vendem objetos de desejos os mais variados para crianças; produções culturais nas mais diversas linguagens que buscam entreter e educar crianças; espaços da cidade organizados para elas; projetos e políticas públicas voltados para a infância; profissionais de diferentes campos do saber que trabalham com elas; escolas e professores empenhados em ensinar e avaliar suas aprendizagens - ainda assim não se consegue capturar o que seja uma criança.

Se tentarmos saber o que são as crianças para com ela estabelecer relações e se entendermos a infância como algo que nossos saberes e nossas práticas permitem explicar e nomear para poder acolher e intervir, podemos dizer que sabemos o que são as crianças e o que é a infância. Mas o desafio é desinstalar tais saberes para pensar a infância como “um outro” que não se deixa capturar, que inquieta nossos saberes, que questiona nossos poderes, que contradiz nossas práticas e que mostra os vazios das nossas acolhidas.

“Pensar a infância como um outro é, justamente, pensar essa inquietação, esse questionamento e esse vazio”, diz Larossa. Assim, a infância pode ser entendida como o que ainda não sabemos, como o que escapa de nossas certezas, lógicas e objetivações, pois a alteridade da infância seria sua absoluta heterogeneidade em relação a nós e ao nosso mundo. E aí reside a vertigem, pois a alteridade nos leva a um lugar em que as medidas de nosso saber e poder não mais comandam. Afinal, ao mesmo tempo em que a infância não é apenas o que sabemos, ela também é portadora de certas verdades que devemos escutar para estar em condições de decifrar pelo menos alguns de seus enigmas, e para no mínimo, assumir a medida de nossa responsabilidade pela resposta que o enigma carrega consigo.

E isso interpela a educação, pois como diz Hanna Arendt, “a educação onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante par anão expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para tarefa de renovar um mundo comum”.  Para a autora, criança tem a ver com nascimento, com o novo. E nascimento é acontecimento, é começo e continuidade que também pode ser perda e descontinuidade. E a educação faz essa mediação entre o velho e o novo no modo como as pessoas, instituições e sociedades recebem, acolhem e respondem àqueles que nascem. Acolher é assumir a responsabilidade de abrir um espaço àquele que chega para habitar conosco trazendo a possibilidade do imprevisto e inesperado. Por isso não podemos reduzir a infância a algo que já sabemos tudo de antemão nem de convertê-la na expectativa de realização de nossas previsões e desejos pois ela nos escapa.

Dessa forma podemos nos perguntar até que ponto a educação entendida como realização de um projeto, reduz a novidade da infância e reconduz às condições existentes e deixando de perceber o campo de possibilidades do enigma que nos interpela? Em resposta, podemos entender a infância não no que dizemos dela ou sobre ela, mas no que ela nos diz no acontecimento de sua presença entre nós como algo novo e, ainda que revele algumas faces, conserva um “tesouro oculto de sentido”.

Para tal reconhecimento há que haver alguns encontros, tanto com a criança que fomos quanto com o outro. Nessa experiência, enfrentar o outro pode significar deixar-se levar ao encontro e estar disposto a se transformar numa direção desconhecida. Mas será que a educação pode/consegue/deve deixar-se transformar pelas verdades que cada nascimento traz?

O outro pano de fundo para discutir o olhar da filosofia sobre a infância pode ser a idéia de “educar para a alegria”, defendida por Robert Misrahi, filósofo francês marcado pelo existencialismo de Sartre e profundo entendedor do pensamento de Espinosa. Para ele, na época contemporânea, homem é desejo que só pode ser compreendido por sua relação com a alegria. Sendo inseparável da inteligência e da consciência, desejo é significação.

“Desejar é algo que se aprende”, diz o filósofo e a tarefa da educação é detectar o caminho que permite às consciências dominar o seu desejo, mas não no sentido de reprimir: “o domínio do desejo consiste antes em fazer intervir a reflexão para informar, o tornar consciente de si mesmo e lhe poupar falsos passos”. Assim, ele defende que a educação deveria desenvolver o sentido da felicidade como uma espécie de atenção e perspicácia dirigida a si próprio e à vida, e com isso despertar a criança para o seu próprio desejo, pois é ele que conduz à alegria. Mas ele enfatiza que isso não significa desordem passional, pois desejo é inteligência e ao desenvolver personalidades a educação pode despertar para alegria compreendendo que esta não pode se realizar sem conhecimentos.

Conhecimentos são instrumentos que a educação deve dar à criança considerando que a finalidade destes saberes deveria ser a felicidade, e isso também envolve a possibilidade de desenvolver o sentido de responsabilidade para descobrir o seu potencial de ação sobre si própria e não apenas para que se insira em um grupo. Para Misrahi, a responsabilidade da educação é com o “homem total”, deveria formar gerações para a alegria e não apenas para o trabalho, pois da mesma forma que precisamos de educação científica, necessitamos de educação artística, pois só ela permite a consciência se libertar de certos interesses e alimentar tanto o desejo como  o pensamento.

Enfim, se a educação tantas vezes sobrecarrega a infância excedendo-se com suas certezas na transmissão de conhecimentos e retirando o melhor das crianças - sua imaginação, seu desejo, sua fantasia e invenção e sua novidade do mundo -, fica o desafio de aprender a decifrar os enigmas e desejos.   


Foto: Pedra de Roseta

domingo, 3 de abril de 2011

Pesquisa e criança: entre representações, objetos de estudos e imagens poéticas


No interior de uma disciplina sobre Aspectos Epistemológicos da Relação entre Infância, Sociedade e Educação, no curso de Pedagogia da UFSC, iniciamos a aula com o objetivo de analisar a contribuição teórica dos diversos campos do conhecimento para o estudo da infância. O texto “Pesquisando infância e educação: um encontro com Walter Benjamin”, de Sonia Kramer, traz algumas considerações importantes para quem estuda ou trabalha com a formação de criança e por isso foi escolhido como material de apoio dessa reflexão.

Para discutir o conceito de criança e infância, um ponto de partida pode ser as imagens de criança que vem à mente ou mesmo as imagens de criança e infância que a mídia nos oferece. Com isso, discutimos as diversas representações deste universo: visão marginalizadora e preconceituosa das crianças de classes populares; a associação da infância pobre ao fracasso escolar; as implicações da teoria da privação cultural e carência afetiva e da infância ser definida pela falta e pelo que ainda não é; e a necessidade de entender as condições da infância aliada à perspectiva dos direitos sociais como contribuição de pesquisas, mobilização social e trabalho pedagógico.

Situar as matrizes teóricas da psicologia, sociologia, história e antropologia para ver a infância  e a criança em sua condição histórica e cultural nos coloca a necessidade de entender a realidade brasileira e suas nuances (cultura indígena, colonização, escravidão, opressão, imperialismo, ditaduras, democracias, país emergente) para entender o processo de socialização da criança hoje e o pensamento pedagógico, filosófico e ideológico de infância como fato social e a singularidade do ser criança em nossa cultura. Assim, para situar a contradição entre singularidade (Ariès) x totalidade (Charlot) da criança, a antropologia filosófica (Benjamin) e outras perspectivas do campo da psicologia cultural, psicanálise e estudos da linguagem (Vygotsky, Bakthin, Freud, Barthes, Foucault) nos ajudam a situar os diferentes sujeitos neste contexto, além de indicar a necessidade de certas rupturas.

Assim, da história à psicologia, da sociologia à antropologia, da filosofia aos estudos da linguagem para pensar a criança, nos perguntamos pelo lugar e autores da Pedagogia. Se Paulo Freire e Freinet são referencias importantes para entender crianças e adultos como cidadãos, criados da e na cultura, produtores da e na historia, feitos de e na linguagem, a educação precisa ir além e construir outras sínteses para entender a infância e a pedagogia bebendo nas diversas áreas do conhecimento.

Entender a infância como um campo temático de natureza interdisciplinar com diversas possibilidades de apropriação das teorias significa tematizar nas  várias áreas do conhecimento algumas questões e tensões que dizem respeito aos direitos das crianças ( criança em situação de risco, criança trabalhadora, criança consumidora, criança autora, etc.).  E isso envolve a perspectiva de outros olhares da criança (e não apenas sobre a criança), como por exemplo: as brincadeiras infantis; a cultura midiática; as políticas públicas e  análise institucional; o desenvolvimento infantil na perspectiva da participação na cultura; a literatura; a arte, etc.

A exigência de uma visão interdisciplinar para a infância encontra na contribuição de W. Benjamin uma das chaves de compreensão da criança em sua época: um conhecimento profundo e sensível de como a criança vê o mundo; a criança mais próxima do artista, do mago e do poeta que do pedagogo bem intencionado; a importância das insignificâncias e dos restos da história; e as possibilidades de inversão do olhar. Nele encontramos eixos de outra ótica da infância que desmitifica e desnaturaliza criança; que critica a pedagogização da infância e sua didatização; que denuncia a anti-educação e o adultocentrismo; que revela a especificidade da criança em sua história- linguagem –descontinuidade e que afirma a infância como fantasia/imaginação/criação/historia no presente/passado e futuro.

Enfim, é no entrecruzamento de perspectivas: histórica (rastros da experienciais, lembrança e rememoração); filosófica (infância como categoria central para estudar o humano); psicológica (sujeito de linguagem que pensa, sonha, constrói, imagina, cria, ama); política (crítica à desigualdade); cultural (autoria e crítica da cultura); antropológica (diferenças, singularidades e pluralidades); artística (dimensão do belo); ética (valores) que podemos entender a infância e a criança para entender o homem. Afinal, um poeta disse que “a criança é o pai do homem” e outro escreveu que a criança “vai carregar água na peneira a vida toda (...) e encher os vazios com suas peraltagens” e por isso seria amada por seus despropósitos. 


Imagens: partes da capa do livro “Exercícios de ser Criança”, de Manoel de Barros, com bordados de Antonia Zulma Diniz, Ângela, Marilu, Martha, Sávia Dumont sobre desenhos de Demóstenes. 

domingo, 27 de março de 2011

Olhar de passagem: mídia, educação e comunicação na escola: uma experiência possível


O convite para participar de algumas atividades promovidas pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará, UFC, em parceira com Associação ENCINE e o projeto LACE permitiu conhecer diversos projetos e experiências de mídia-educação na universidade e nas escolas de Fortaleza.

No diálogo com o Grupo de Pesquisa GRIM, que estuda as relações entre infância, adolescência e mídia, coordenado pela Professora Inês Vitorino, foi possível ver muitas similaridades teórico-metodológicas no estudo e desenvolvimento de pesquisa sobre criança, mídia e educação que têm mobilizado nossos grupos. Além disso, o GRIM também se articula com o Programa de Extensão TVez que diz respeito à Educação para o Uso Crítico da Mídia e envolve o LAPSUS, Laboratório de Psicologia em Subjetividade e Sociedade, com participantes dos cursos de Comunicação Social - Jornalismo e Publicidade e Propaganda - e Psicologiada UFC.

O trabalho pioneiro do GRIM e TVez revela diversas facetas, entre elas uma bela parceria desenvolvida com a ong ENCINE, cujo objetivo é “provocar um novo olhar e uma nova forma de pensar os processos educativos e culturais com crianças, adolescentes, jovens e professores da rede pública de ensino através das tecnologias de informação e comunicação”.

Ao participar do I Seminário Mídia e Educação: outra leitura de mundo é possível, promovido pelo ENCINE e GRIM na UFC, foi possível conhecer diversas produções de mídias feitas por crianças e jovens no contexto do projeto LACE, desenvolvido pelo ENCINE. O LACE, Laboratório de Comunicação Escolar, é um espaço criado na escola com o propósito de atuar como um estúdio de produção de mídias. Com um visual moderno e alegre, os laboratórios funcionam em escolas selecionadas e estão equipados com tratamento acústico, fundo em croma-key, mobiliário e  equipamentos adequados (TV, computador multimídia para edição de áudio e vídeo com software livre, câmera de vídeo digital, câmera fotográfica digital, mesas de luz, scanner, impressora, equipamento de áudio e luz e uma pequena biblioteca sobre comunicação e educação). Ali, são desenvolvidas atividades com estudantes no contra-turno a fim de que eles possam produzir de forma autônoma vídeos, blogs, programas de rádio, desenhos animados, jornais impressos, fanzines, além de criar exposições fotográficas, exibição e veiculação de vídeos e áudio em tempo real via internet (streaming), etc.

Ver e ouvir crianças e jovens apresentarem suas experiências com tais produções, tais como “O que você prefere? Fazer? Ver? Desenhar? Livro? Filme? Simplesmente te amo” e muitos outras produções, bem como suas explicações sobre seus percursos de aprendizagem na construção de mídias e no envolvimento com o projeto e o Programa Megafone, nos faz não apenas acreditar que e possível criar outras condições para que os jovens participem de forma ativa da cultura como também evidencia cada vez mais a importância de que projetos como esse certamente farão a diferença na vida desses meninos e meninas. Ver e ouvir uma professora dizer que ”o Lace na escola é como se o século XXI tivesse chegado às nossas escolas” é a certeza de que trabalhos dessa natureza contribuem para recolocar a escola no centro da cena da educação de crianças e jovens e a assegurar a comunicação como direito de expressão e participação na cultura. 


Além de conhecer, compartilhar e discutir a respeito do papel e dos desafios da mídia-educação diante da cultura digital, há que pensar nas políticas públicas a esse respeito. Foi a ênfase dada na participação da Audiência Pública Promovida pela Comissão de Educação da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, no Seminário Sobre os Mecanismos de Comunicação na Aprendizagem Escolar, Através da Articulação Entre Mídia e Educação. Um espaço importantíssimo para reafirmar a importância de políticas públicas eficientes que dizem respeito tanto às políticas de inserção das TIC nas escolas como às políticas de formação inicial e continuada de professores a fim de assegurar propostas educativas na perspectivas de práticas transformadoras na escola. Ou seja, a necessidade de ultrapassar a dimensão do acesso instrumental à tecnologia na escola para pensar a questão da qualidade da inclusão digital na perspectiva da criação, expressão e mediação cultural da Mídia-educação como educação para a cidadania. Para tal, é fundamental pensar ações conjuntas entre universidade, poder público e organizações da sociedade civil.

Enfim, a partir dos diferentes espaços que participei e das diversas experiências que conheci, fica a alegria de perceber que muito daquilo que temos estudado e proposto no campo da mídia-educação a respeito da interlocução necessária entre educação, comunicação e arte está sendo desenvolvido em diferentes projetos do norte ao sul do  país. Isso reafirma não apenas importância das trocas, interlocuções e parcerias como também oxigena e renova nossos propósitos, pois além de perceber que não estamos sós, nos leva a pensar a possibilidades de redes multiplicadoras.

Não poderia deixar de destacar a hospitalidade e acolhida generosa do grupo GRIM/TVez e dos integrantes ENCINE/LACE, que além da participação em tais atividades permitiu verdadeiras incursões antropológicas pela cidade do sol, com inesquecíveis banhos de chuva que se transformaram numa verdadeira aventura no Dragão do Mar... 


Por fim, como o artista e poeta Arlindo Araújo lembrou na mesa de abertura do I Seminário Mídia e Educação: outra leitura de mundo é possível ao mencionar a poesia de Cecília Meireles “eu quero captar o instante já que de tão fugitivo não é mais porque a tornou-se um novo instante”, vale dizer que nesse olhar de passagem que deixa rastros, captar a força e a beleza do instante pode significar também a possibilidade de construir e compartilhar  novos projetos.

terça-feira, 22 de março de 2011

Algumas considerações sobre as políticas de avaliação contemporânea

Se no semestre anterior, o curso de Pedagogia da UFSC iniciou suas atividades letivas com a aula  inaugural “É preciso brincar para afirmar a vida: música e cultura na infância” com Lydia Hortelio mais a conferência de Lisete Arelaro sobre “Políticas de formação para professores da Educação Básica nos governos FHC e Lula”. Este semestre iniciamos discutindo a questão da avaliação, com a conferência de Luis Carlos Freitas “Políticas de Avaliação contemporâneas: transformação ou modernização”.

Pode ser instigante começar o ano letivo discutindo a questão da avaliação, tanto de sistemas quanto de aprendizagens e de programas curriculares, ainda mais num momento em que se discute o processo de implantação do novo currículo no curso de Pedagogia da UFSC e que temos pela frente a realização do ENADE. Mas que outras questões estão relacionadas a tais processos de avaliação?

Ao destacar a avaliação como política pública na área da educação a partir da alteração na posição estratégica que o capital internacional imagina para o Brasil, Freitas chamou  a atenção na política de avaliação e seus desdobramentos e repercussões na universidade e na educação básica.  No entanto, para ele, essa política não está sendo gestada pelas universidades e sim pelas grandes corporações, fundações, ongs e instituições privadas.

Num cenário de um país escolhido para investimento direto do capital internacional, por isso emergente, a posição que o Brasil ocupa hoje se destaca com políticas que estão minimizando a miséria extrema e a questão infra-estrutura e tecnologia, permanecendo ainda em aberto a questão da educação, e consequentemente, a questão da mão-de-obra e da produtividade. Entender essas demandas é fundamental para entender como tais políticas chegam até nós, nas escolas, nos modelos de universidade e nas políticas de avaliação que vão ganhando centralidade.

Nessa perspectiva, discutir a qualidade da educação pública implica discutir desde a carreira do professor e o papel de centralização do estado na educação básica, até a questão da aprendizagem, do rendimento e do desempenho do aluno que nos últimos nos têm sido traduzidos nos exames. Assim, entendida como instrumento de gestão, cria-se uma indústria da avaliação que se torna cada vez mais sofisticada e modifica a relação professor-aluno e ensino-aprendizagem, condicionando o orçamento da escola e em alguns casos pagando bônus ao professor, sobretudo a partir do desempenho dos alunos em exames, como por exemplo prova Brasil, Enem, Enade no plano nacional e PISA no plano internacional.

Do ponto de vista político-econômico, o sistema público de ensino vai perdendo força por diversos fatores, diz Freitas. Sem dominar esse tipo de tecnologia de avaliação, busca nas assessorias especializadas da indústria da avaliação identificar os problemas de alunos que não aprendem e encontra na indústria de tutoria a resolução de problemas de aprendizagem sem tocar no fundo da questão que origina tal quadro. E assim, como tudo é medido por testes, muitas escolas “deixam de ensinar” valores e conhecimentos fundamentais para a formação do sujeito na perspectiva da educar para a cidadania pois estão mais preocupadas em “preparar os alunos para os testes”.

No entanto, estudos demonstram que esse modelo de testes e medidas desta política de avaliação está substituindo questões centrais de uma política do que seria uma boa educação, e isso não tem repercutido na melhoria da aprendizagem e nem nos dados da educação. Alertando para essa troca de valores na matriz de referência, Freitas afirma que tomar conhecimento das questões mais amplas que orientam essa política de avaliação é um primeiro passo para se indignar. E por fim, conclui sua aula-conferência com duas perguntas no ar: Qual o projeto de nação para os jovens hoje? Desde quando nota alta é sinônimo de boa educação?

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

De volta e com "mais educação"




É muito bom retomar as atividades quando se está com as energias revitalizadas a partir da companhia de bons livros, filmes, viagens, natureza, e é claro, pessoas queridas.

Nas últimas semanas, o retorno ao trabalho teve um acontecimento especial: além de encaminhar as pendências, elaborar projetos, participar de banca e criar condições para um bom início do ano letivo, foi muito interessante participar de uma proposta, no mínimo, ambiciosa e inovadora: um momento de formação entre pares para estudo e elaboração de uma proposta de Educação Integral e de um Curso de Especialização para formar professores em tal perspectiva. Ou seja, o GT CED Educação Integral  pretende viabilizar uma série de encontros entre professores do CED e representantes das redes (municipal e estadual) para estudo e discussão de diferentes concepções de educação integral a fim de elaborar uma proposta de um curso de formação em nível de especialização a ser oferecido posteriormente pela UFSC, com apoio do MEC.

Na semana de encontros de “formação de formadores para educação integral”, foram apresentadas diferentes experiências de Educação Integral desenvolvidas em Florianópolis, São José e no estado de SC. Discutiu-se a respeito de algumas experiências clássicas e alternativas em nosso país (a Escola-Parque e o Projeto de Anísio Teixeira e as Escola-Parque em Salvador e Brasília, na década de 50; o CIEP e o projeto de Darcy Ribeiro no RJ nos anos 80; e outros projetos em andamento), experiências em outros países, como França e Finlândia, além de um breve olhar sobre os documentos oficiais.

Se a idéia não é nova, tendo grande produção acadêmica a esse respeito, é certo que faz parte de um intenso debate desenvolvido nos últimos anos em conseqüência das políticas públicas do MEC, das políticas de governo e das demandas sociais. Diante da complexidade que envolve o conceito de educação integral, tanto aquele proposto pelo Programa Mais Educação   como as concepções presentes em outras experiências, fica evidente o papel da universidade na problematização e construção de tal proposta, bem como a necessidade de redes necessárias para tal. 

Nessa perspectiva, o estudo seguirá com outros momentos de formação, que certamente serão permeados por intensos e inspiradores debates.

sábado, 18 de dezembro de 2010

UFSC 50 anos

 Entre as diversas comemorações relacionadas aos 50 anos da UFSC “produzindo conhecimento para um mundo melhor”, esta última semana foi bastante intensa na universidade e algumas atividades foram particularmente significativas , sobretudo por que de certa forma participei de alguns momentos que fizeram parte desta história, seja como estudante ou como professora e pesquisadora. 

A homenagem a uma professora do Centro de Educação que se destacou na pesquisa me encheu de orgulho, tanto pelo motivo de ter sido sua aluna durante minha formação como por ser sua colega hoje no programa de pós-graduação onde atuo. 

A sessão solene do conselho universitário reuniu diversos reitores relembrando suas gestões em diferentes momentos históricos, e isso me fez lembrar o quanto a ousadia de pequenas propostas  "político-administrativas" podem fazer a diferença na formação cultural de estudantes, como por exemplo as “aulas magnas” a todos estudantes da universidade com reconhecidos artistas convidados para se apresentarem numa imensa área do campus, ao ar livre, onde interagimos com o então maestro e diretor artístico da orquestra sinfônica brasileira Isaac Karabtchevsky, com o ator Paulo Autran, com o grupo de música latino-americana Tarancon e tantos outros que fizeram parte daquele projeto. 

O lançamento do portal dos egressos, criou um espaço institucional para os ex-alunos lembrarem os tempos da graduação, pós-graduação, seus aprendizados, suas aulas, assembléias, festas, passeatas, e  também compartilharem a saudade do ambiente da universidade e dos amigos  com quem dividiam aventuras, chateações, surpresas e descobertas de um mundo que se descortinava. Mesmo com as redes sociais cumprindo o seu papel, a grande maioria dos ex-alunos perdeu contato com os colegas de turma, pois afinal, cada um segue seu caminho e nem sempre deixa pistas por onde passa. Assim, foi emocionante ver a homenagem aos egressos formados há 50 anos e foi quase impossível não pensar em tantos que por aqui transitaram.

O lançamento do livro Trajetórias e desafios, resultado de um minucioso trabalho de pesquisa,  é um livro que conta de forma viva as diversas trajetórias percorridas pela universidade para falar da face da UFSC hoje. Aliás, será possível falar de uma única face ? Tem a que se destaca nos rankings de ensino, a das pesquisas de ponta sendo realizadas, a das atividades de extensão que encontra as comunidades, a que comunica todo esse conhecimento que vai sendo produzido e a que se prepara para os novos desafios. 

Ao escrever os textos que compõem esse livro, o objetivo das organizadoras (Roselane Neckel e Alita D. C. Küchler) era evitar que a criação e consolidação da universidade fossem reduzidas à ação pioneira de apenas alguns, muitas vezes apontados como heróis, e sim mostrar uma história que foi construída com a vida e o trabalho de diversos sujeitos, com o entusiasmo e o compromisso de homens e mulheres no dia a dia, em várias gerações que por aqui passaram, como o mosaico colorido do mural da reitoria que também ilustra a capa do livro. 

Diante dessa concepção, ao ter feito parte deste livro compartilhando um pouco de minha trajetória de professora e pesquisadora, só tenho a agradecer... por todas experiências que aqui vivi, pelas marcas que deixei e por aquelas que também ficam em mim

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Faces e movimentos do grupo de pesquisa


 Num momento em que se discute a atualização dos grupos de pesquisa cadastrados no CNPq, algumas questões têm orientado a discussão de aspectos que permanecem se impondo aos pesquisadores, o que exige uma avaliação e tomada de decisões.

Afinal, o que é e para que serve um grupo de pesquisa cadastrado no CNPq? Como deve funcionar? O que significa participar efetivamente de um grupo de pesquisa? Qual o perfil do grupo e de seus integrantes? O que o grupo propõe aos seus integrantes e como cada integrante contribui com o grupo?

Considerando que cada grupo tem a sua história, cultura, identidade, alma e personalidade construídas em torno de sua trajetória na confluência de interesses e necessidades pessoais de seus participantes com temas e perspectivas teórico-metodológicas adotadas, grupo de pesquisa implica em movimento. Movimento entre os pesquisadores que permanecem e os que estão de passagem, os mestrandos/doutorandos que chegam, se aproximam e transitam e os que se distanciam. Movimento que implica um processo de continuidades e rupturas, questionamentos e abertura para o novo. Movimento que como na dança, necessita uma sintonia mínima,  um ritmo e um equilíbrio entre os pares.

Nesse processo, busca-se lidar satisfatoriamente com as tensões provocadas pelos desejos internos das pessoas que fazem parte do grupo com demandas externas que regem as instituições a que estão vinculados. Nisso, evidencia-se o desafio de articular e aproveitar o que de melhor tem estas instituições com as identidades do grupo e seu perfil na busca de um trabalho com qualidade e sua necessária socialização e divulgação nos meios acadêmicos, científicos e/ou alternativos, pois  hoje, fazer pesquisa também implica em se comprometer com publicações.

Considerando que um grupo envolve pesquisa, ensino e extensão, é através da pesquisa que se investiga, sistematiza, produz e se faz avançar o conhecimento. Se o grupo de pesquisa tem compromisso com a produção de saberes e práticas, por também envolver orientandos vinculados a um programa de pós-graduação, tem também o compromisso político-pedagógico de produzir com qualidade e socializar suas produções. Ainda que a questão da qualidade seja sempre relativa, a socialização das produções faz parte da pesquisa, além de ser fundamental para estabelecer diálogos e interlocuções com o território e outras fronteiras, para ter visibilidade e dar a sua contribuição para além da pressão das agências de fomento e do programa institucional.

E para que o grupo de pesquisa possa se constituir de fato, esse processo implica a participação efetiva dos envolvidos. Parece óbvio, mas sem isso, fica apenas uma aproximação de pessoas, não necessariamente um grupo, pois não bastar “estar”, há que participar das diferentes atividades de estudo, formação e extensão que qualificam  o grupo e a pesquisa.

Evidentemente cada grupo de pesquisa possui uma dinâmica própria, mas em geral, para que o grupo funcione, além de pesquisas que possam agregar as diferentes pessoas há que se fazer encontros regulares e sistemáticos para discutir tanto os assuntos pertinentes à pesquisa e outros encaminhamentos que envolvem questões de ordem operacional, quanto para realizar estudos temáticos com aprofundamentos teóricos e conceituais constituindo-se em ambiente propício para a formação.Ter pesquisas aprovadas por órgãos competentes e fontes de financiamento permite certa aproximação de novos pesquisadores aos projetos existentes, o que não impede que outras abordagens e perspectivas se desenvolvam. De qualquer forma, para que isso ocorra é necessário organização, disciplina intelectual e compromisso com tal participação, que por mais singular que possa ser, pode ser entendida como uma condição para permanecer no grupo, sejam orientandos, pesquisadores assistentes ou pessoas interessados nos temas de estudo. Ainda que se possa discutir o conceito de participação e suas nuances, estar envolvido em algum projeto de pesquisa, participar de atividades de formação, e/ou de ensino e extensão é também uma condição para formar pesquisadores.

Dessa forma, a organização e o funcionamento do grupo possibilitam a seus participantes não apenas um trabalho de pesquisa em parceria mas também atividades de formação, ensino e extensão, que serão construídas conforme o que  cada um tem para contribuir com o grupo e suas diferentes formas de produção coletiva. Produção que possa ter uma reflexão original, um pensamento próprio e profundo sem perder a generosidade, o reconhecimento aos interlocutores e o compromisso com as dimensões éticas e estéticas da formação.

É mais ou menos isso que buscamos com o NICA, o grupo de pesquisa Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e Arte, grupo que possui linhas de pesquisa articuladas pela ênfase dada na importância da Arte, da Comunicação, da Cultura na Educação. Grupo que é formado por “gente que gosta de inventar, pesquisar, estudar e devolver à comunidade não só de seus pares mas do conjunto da sociedade, o resultado de seu esforço, no momento” como diz uma de suas fundadoras, Telma PiacentiniO mundo caminha e precisamos sempre deixar uma abertura para o novo, o diferente, o que não está ainda integrado aos projetos existentes...E nisto, o NICA pode dar exemplo, pois nasceu sob este signo: gosta do diferente, do que não existe ainda, mas pode existir, pois não tem medo  de desafios”.

Se isso é verdade, resta-nos enfrentar os desafios do momento com leveza e rigor, tanto na coordenação do grupo quanto no desenvolvimento de nossas pesquisas, na escolha e consolidação de parcerias, na ampliação de vínculos com outros grupos de pesquisa, enfim, nos caminhos e estratégias que traçamos para investigar esses e outros sentidos nos processos formativos e nos diferentes itinerários educacionais.

Imagem: Henry Matisse, A dança, 1910