segunda-feira, 29 de maio de 2017

O céu ainda é azul, você sabe...

O céu ainda é azul, você sabe...  é o título da mostra de um conjunto de trabalhos de Yoko Ono, que ficou em exposição de 01/4 a 28/5/2107 no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Com trabalhos realizados desde o início da carreira da artista, ainda na década de 1950, as obras de caráter experimental enfatizam a participação do público que atravessa obras visuais, música, vídeo, instalações, performances e outras ações multimídias percorrendo temas de movimentos pacifistas, feministas e muitos outros em torno da cultura pop e da arte contemporânea.

Instruções é simplesmente instigante, um convite ao ver-pensar-sentir-tocar-ouvir-pintar-escrever-interagir das mais diversas formas. Aliás, a arte pioneira de Yoko criou um novo tipo de relação com o espectador/público, que é solicitado a exercer papel ativo diante de suas produções, o que propicia outras formas de diálogo entre arte, artista, público, num espaço que atua como dispositivo desencadeando interações que modificam a obra, o espaço e nos modificam.

As propostas das instruções na mostra oscilam entre sugestões sucintas, breves e abertas que podem se realizar após a leitura, como por exemplo: Imagine (1962), Sinta (1963), Sonhe (1964); entre sequências de ações que podem ser realizadas por quem se interessar, como por exemplo: Pintura para colorir. Acrescente cor (1966),  Peça de Toque (1963), “toquem uns aos outros”; Mapa Imagine a Paz (2003), “peça o carimbo e cubra o mundo de paz”; e entre sugestões  que transitam entre o racional, poético ou imaginário, como por exemplo: Peça Terra V. “Assista ao por do sol. Sinta a terra se movendo” (1996); Peça cidade I. “Encontre um lugar confortável para você. Mantenha o lugar limpo. Pense sobre o lugar quando estiver longe” (1996).  Entre as proposições, “escreva suas memórias sobre a sua mãe” e muitas outras. Difícil resistir. Não é à toa que alguns sugerem que seu trabalho foi inspiração para a composição de Imagine, de John Lennon.

Embora já conhecesse parte da proposta da artista em outra ocasião, nesta mostra, a “Àrvore dos pedidos para o mundo”, assumiu outro sentido para mim, sobretudo ao lado de outras tantas instruções em que crianças, jovens e adultos interagiam tão à vontade. Entrei no jogo, empilhei pedras, vi o invisível, escrevi pedidos, pintei as cores, o vento, colei peças de louças quebradas, martelei pregos, vi, ouvi, senti, comuniquei, e sobretudo, aprendi e me emocionei... Uma oportunidade ímpar e marcante, para além da contemplação  visual e sonora, em que a fugacidade de cada gesto permanece e deixa marcas,  interpela e também inspira. Travessias entre palavras, ideias, participação "criativa", provocações que só a arte contemporânea faz...

Nesse sentido, a arquitetura do lugar assume destaque, sobretudo por ser no prédio do Instituto Tomie Otake. Aliado a isso, outro aspecto que compõe as cenas é a disposição dos objetos, que ficam expostos no museu e também são difundidos na internet e nas redes,  disseminando as instruções, fotos, filmes, e outros que, impulsionados por diversas tecnologias contribuem para espalhar a natureza efêmera da obra e de nossa experiência com ela.

Vale destacar que a proposta de atuação do Núcleo de Cultura e Participação do Instituto Tomie Othake.  realiza um belo e importante trabalho visando a promoção do acesso e da experimentação do público  em atividades artísticas e culturais, seja por meio de visitas mediadas,  práticas em ateliês, seja por meio de atividades de formação, grupos de estudos, seminários, oficinas, mostras, e intervenções poéticas na cidade e uma imensa diversidade de projetos socioculturais. Sem dúvidas, uma riqueza de oportunidades que unem arte, cultura e educação a partir de diferentes perspectivas, vivências e experiências com arte. O céu ainda é azul, você sabe...  é apenas uma delas.


Para o curador da mostra, Gunnar B. Kvaran, a arte de Yoko Ono lida com a própria natureza da arte e, também, com sua crença de que existe um futuro melhor, “se assim quisermos". E parece que queremos, ainda mais diante de uma semana tão intensa e da urgência de pintar esse mundo com outras palavras e gestos para quem sabe, criar outras realidades…

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