quinta-feira, 31 de março de 2016

Escola Digital


Nos dias 17 e 18/3/2016 participei do Congresso SIREM 2016 – Società Italiana di Ricerca sull’Educazione Mediale, na Università Degli Studi Suor a Orsola Benincasa, em Napoli. Com o tema  “Educação Digital – Modelos pedagógicos e praticas didáticas para a formação inicial e em continuada dos professores”. Além da temática abordada nas mesas redondas e sessões de apresentação de trabalho, o que me chamou atenção foi a composição das mesas e a disposição para o diálogo entre pesquisadores e as instituições, como por exemplo, com representantes do MIUR, Ministério da Educação,  da Universidade e da Pesquisa, do INDIRE, Instituto Nacional de Documentação e Inovação da Pesquisa Educativa.

Na mesa inicial “As tecnologias e a escola que se transforma”, a discussão foi em torno da “Itália Digital”, um programa governamental que faz parte da Agenda Digital Italiana e que representa um conjunto de ações e normas para o desenvolvimento de tecnologia, inovação e economia digital, além de ser uma das iniciativas da Europa 2020, que propõe os objetivos para o crescimento da União Europeia até 2020. Assim, inserida na discussão das oito teses do governo italiano o papel da escola se destaca nesse programa, ao enfatizar “preparação do jovem ao mercado de trabalho” e por isso o âmbito digital não poderia deixar de ser  discutido.

No entanto, diante da crise do sistema, o discurso critico sobre o aporte metodológico e epistemológico não tem sido devidamente considerado, como lembrou o prof. Galliani, da Universidade de Padova, pois a tecnologia faz referência a dois paradigmas diferentes, informacional e relacional, e o que está em jogo é a produção de sentido, além do modelo formativo, enfatizando que a “escola digital” não deve ser voltada apenas à preparação para o trabalho, e sim, preparar para a digital vida, ou seja, uma “escola digital para a pessoa”.
A tônica da discussão seguiu nas sessões de trabalhos, onde apresentei alguns aspectos da pesquisa finalizada no ano passado, “Approssimazioni: EAS, Media Education e partecipazione nel territorio”. Outras experiências e pesquisas muito interessantes sobre o tema trouxeram outros olhares,  desde a questão do espaço e arquitetura relacionada à didática, aos mediadores digitais e a transformação das práticas, como se pode ver na programação.

Um tema que se destacou em diversos trabalhos faz referência ao “coding”, que pode ser entendido como “programação” relacionada ao pensamento computacional que tem sido proposto nas escola. Apesar da polêmica que suscita, o código informático ou a programação tem sido considerado uma matéria de estudo cada vez mais necessária para crianças e jovens não apenas aos programadores, visto que aprender a programar é condição para um salto de qualidade e emancipação, e isto tem se desenvolvido em diversos países. O conceito-chave  de tal ideia é o “pensamento computacional”, que segundo o documento da Agenda Digital, “significa pensar de maneira algorítmica ou encontrar soluções e desenvolvê-las”, pois o coding oferece uma base às crianças para enfrentar problemas complexos uma vez que aprender a programar pode “abrir a mente”. Desse modo, a escola digital, além dos equipamentos e do uso crescente da impressora 3D envolve uma aproximação das crianças com a programação para que elas possam se tornar sujeitos  das atividades desenvolvidas com tecnologias. Segundo foi discutido, o resultado é imediato e em poucas horas se pode criar um pequeno videogame ou um aplicativo, por exemplo, e com isso as crianças se tornam produtoras de tecnologia. Obviamente esse tema suscita uma grande discussão e para alguns estudiosos, seria uma forma de atualização  da proposta de Papert e da linguagem logo, proposta ainda na década de 1980. Certamente ainda discutiremos muito a esse respeito.

A mesa final, “La scuola digitale”, novamente composta por representantes do governo em diálogo com pesquisadores de universidades se construiu a partir de perguntas do mediador, Prof. Rivoltella, da UCSC, que iniciou a discussão problematizando: “a que se faz referência quando se fala de “escola digital”? E ponderou os 3 âmbitos, o burocrático, o da integração tecnológica e o da relação entre tais aspectos com as práticas didáticas. Para ele, não é o digital em si que tem valor e sim as relações que permite construir. Continuando a discussão, as questões giraram em torno dos desafios e “nós” decisivos para a “escola digital” – o problema de acesso, a formação de professores, o currículo, a figura do “animador digital” - e a própria ideia do que seja o digital na escola, e dependendo de tal entendimento, se  o digital pode mudar a escola considerando os professores e a escola tradicional. Por fim, foi discutido de que forma a relação com a pesquisa pode abrir outras possibilidades para entender e refletir sobre tais questões. Enfim, questões que transcendem o “digital” e evidenciam diversos problemas que por sua vez também transcendem territórios, fazendo-nos pensar nos distanciamentos e nas aproximações entre contextos tão diferentes que ao mesmo tempo parecem tão iguais...


Aliás, por falar em semelhanças, alguma coisa de Napoli me lembrou do Brasil, e mais especificamente de Salvador, resguardadas as devidas proporções…


2 comentários:

Lyana de Miranda disse...

É sempre interessante saber que nosso ponto de vista, por meio das nossas pesquisas, ajuda a ampliar as discussões em outros espaços (nesse caso, em outro continente!). Se na tríade educação-políticas públicas-cultura digital estamos um pouco "capengas" pelo pouco diálogo entre as pesquisas e as políticas educacionais empregadas no nosso país, podemos dizer que contribuímos, e muito, com a ampliação do olhar por meio de investigações ativas ancoradas na perspectiva mais relacional, a que se referiu o prof. Rivoltella.
Por isso, quando ouço, por exemplo, sobre as iniciativas centradas na programação e na apropriação do código, fico me perguntando: até que ponto essas propostas ajudam a questionar o nosso cotidiano digital e as nossas rotinas entrelaçadas ao on-line? Será que essas iniciativas nos auxiliam a perceber que, entender o que estamos aprendendo pode ser mais importante do que, simplesmente, aprender?
Em tempos de internet das coisas, web semântica e realidade aumentada, concordo como a necessidade de ultrapassarmos a mera preparação para o trabalho (saber usar) para nos centrarmos na preparação para a vida (saber pq usar), até pq essa inclui àquela.
Para mim, essa abordagem significa, usando ainda o exemplo da programação (e sendo bem rápida e rasteira), na associação de dois problemas: entender como são as tecnologias + entender como a gente conhece o mundo e conhece a nós mesmos quando conhecemos como são as tecnologias. Não sei se é esse o caminho, mas... Continuamos trilhando e pensando juntos! :)

Monica Fantin disse...

Muito instigantes as suas questões. E apesar do tempo de tal reflexão, ao participar de outro evento que também discutiu sobre o tema, fica ainda mais evidente a importância de assegurarmos o tempo da reflexão sobre o que se faz, seja no cotidiano digital seja nas nossas rotinas entrelaçadas ao on[off]line, como você diz. Por vezes, aspectos da cultura maker estão sendo pouco refletidos, e me parece fundamental retomarmos o sentido da perspectiva crítica da mídia-educação, que parece estar pouco evidenciada em meio às produções, para pensar também a produção de si e do outro neste contexto.