domingo, 3 de abril de 2011

Pesquisa e criança: entre representações, objetos de estudos e imagens poéticas


No interior de uma disciplina sobre Aspectos Epistemológicos da Relação entre Infância, Sociedade e Educação, no curso de Pedagogia da UFSC, iniciamos a aula com o objetivo de analisar a contribuição teórica dos diversos campos do conhecimento para o estudo da infância. O texto “Pesquisando infância e educação: um encontro com Walter Benjamin”, de Sonia Kramer, traz algumas considerações importantes para quem estuda ou trabalha com a formação de criança e por isso foi escolhido como material de apoio dessa reflexão.

Para discutir o conceito de criança e infância, um ponto de partida pode ser as imagens de criança que vem à mente ou mesmo as imagens de criança e infância que a mídia nos oferece. Com isso, discutimos as diversas representações deste universo: visão marginalizadora e preconceituosa das crianças de classes populares; a associação da infância pobre ao fracasso escolar; as implicações da teoria da privação cultural e carência afetiva e da infância ser definida pela falta e pelo que ainda não é; e a necessidade de entender as condições da infância aliada à perspectiva dos direitos sociais como contribuição de pesquisas, mobilização social e trabalho pedagógico.

Situar as matrizes teóricas da psicologia, sociologia, história e antropologia para ver a infância  e a criança em sua condição histórica e cultural nos coloca a necessidade de entender a realidade brasileira e suas nuances (cultura indígena, colonização, escravidão, opressão, imperialismo, ditaduras, democracias, país emergente) para entender o processo de socialização da criança hoje e o pensamento pedagógico, filosófico e ideológico de infância como fato social e a singularidade do ser criança em nossa cultura. Assim, para situar a contradição entre singularidade (Ariès) x totalidade (Charlot) da criança, a antropologia filosófica (Benjamin) e outras perspectivas do campo da psicologia cultural, psicanálise e estudos da linguagem (Vygotsky, Bakthin, Freud, Barthes, Foucault) nos ajudam a situar os diferentes sujeitos neste contexto, além de indicar a necessidade de certas rupturas.

Assim, da história à psicologia, da sociologia à antropologia, da filosofia aos estudos da linguagem para pensar a criança, nos perguntamos pelo lugar e autores da Pedagogia. Se Paulo Freire e Freinet são referencias importantes para entender crianças e adultos como cidadãos, criados da e na cultura, produtores da e na historia, feitos de e na linguagem, a educação precisa ir além e construir outras sínteses para entender a infância e a pedagogia bebendo nas diversas áreas do conhecimento.

Entender a infância como um campo temático de natureza interdisciplinar com diversas possibilidades de apropriação das teorias significa tematizar nas  várias áreas do conhecimento algumas questões e tensões que dizem respeito aos direitos das crianças ( criança em situação de risco, criança trabalhadora, criança consumidora, criança autora, etc.).  E isso envolve a perspectiva de outros olhares da criança (e não apenas sobre a criança), como por exemplo: as brincadeiras infantis; a cultura midiática; as políticas públicas e  análise institucional; o desenvolvimento infantil na perspectiva da participação na cultura; a literatura; a arte, etc.

A exigência de uma visão interdisciplinar para a infância encontra na contribuição de W. Benjamin uma das chaves de compreensão da criança em sua época: um conhecimento profundo e sensível de como a criança vê o mundo; a criança mais próxima do artista, do mago e do poeta que do pedagogo bem intencionado; a importância das insignificâncias e dos restos da história; e as possibilidades de inversão do olhar. Nele encontramos eixos de outra ótica da infância que desmitifica e desnaturaliza criança; que critica a pedagogização da infância e sua didatização; que denuncia a anti-educação e o adultocentrismo; que revela a especificidade da criança em sua história- linguagem –descontinuidade e que afirma a infância como fantasia/imaginação/criação/historia no presente/passado e futuro.

Enfim, é no entrecruzamento de perspectivas: histórica (rastros da experienciais, lembrança e rememoração); filosófica (infância como categoria central para estudar o humano); psicológica (sujeito de linguagem que pensa, sonha, constrói, imagina, cria, ama); política (crítica à desigualdade); cultural (autoria e crítica da cultura); antropológica (diferenças, singularidades e pluralidades); artística (dimensão do belo); ética (valores) que podemos entender a infância e a criança para entender o homem. Afinal, um poeta disse que “a criança é o pai do homem” e outro escreveu que a criança “vai carregar água na peneira a vida toda (...) e encher os vazios com suas peraltagens” e por isso seria amada por seus despropósitos. 


Imagens: partes da capa do livro “Exercícios de ser Criança”, de Manoel de Barros, com bordados de Antonia Zulma Diniz, Ângela, Marilu, Martha, Sávia Dumont sobre desenhos de Demóstenes. 

4 comentários:

Unknown disse...
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Unknown disse...

Todas a falas feitas em sala bem como a sintese da aula foram importantissimas para compreenssão da infância e criança através da história, filosofia, psicologia, politica, antropologia, cultura e contexto social. Tambem para desconstruir a imagem de criança que a midia "vende" que vai do "8 a 80" e na realidade sabemos que cada criança inserida em cada contexto possui sua singularidade entretanto precisam ser vistas na totalidade.

Rafaela Tomé disse...

Concordo totalmente com o comentário da Isis. A infância é construida históricamente, e cada criança tem a sua singularidade!

Unknown disse...

Maiara
Do texto “Pesquisando infância e educação: um encontro com Walter Benjamin”, de Sonia Kramer, e as discussões na sala, pude compreender a infância e a criança através das suas representações com enfase na cultura da infância.
E uma parte que eu destaquei do texto é na pg. 40, último paragráfo.
" Imbruir-se desse olhar infantil crítico, que vira pelo o avesso a costura do mundo, é, talvez, aprender com as crianças e não se deixar infantilizar.