Entre algumas
reflexões sobre diversos eventos brevemente compartilhados neste espaço, dois
momentos particularmente especiais que ainda ressoam em desconcertantes tentativas de significar presente e passado merecem um
pequeno registro.
A leitura de um
fragmento de um livro, que misteriosamente foi parar em minhas mãos enquanto estava
na livraria de uma estação a espera de um trem durante uma viagem de estudo
(compartilhada no post de setembro). O fragmento dizia algo mais ou menos assim,
em livre tradução :
“A viagem – no mundo e sobre o papel -
é por si um contínuo preâmbulo, um
prelúdio de algo que sempre ainda está
por vir e sempre ainda está atrás da
esquina; partir, parar, voltar atrás , fazer e desfazer malas, anotar a paisagem que, enquanto se atravessa, foge, se
desfaz e se recompõe como uma sequencia cinematográfica, com as suas dissolvências
e reorganizações, ou como um vulto que muda no tempo (...)
Viajar ensina a desorientação, a
sentir-se sempre estrangeiro na vida, mesmo na própria casa, mas ser
estrangeiro entre estrangeiros é talvez o único modo de ser verdadeiramente
irmãos(...)
Existem lugares que fascinam porque parecem
radicalmente diferentes e outros que encantam porque, já na primeira vez,
resultam familiares, quase um lugar natal. Conhecer é muitas vezes,
platonicamente, reconhecer, é o emergir de algo talvez ignorado até aquele
momento mas acolhido como próprio. Para ver um lugar, ocorre revê-lo. O conhecido
e o familiar, continuamente redescoberto e enriquecido, são a premissa do
encontro, da sedução e da aventura; a vigésima ou a centésima vez em que se
fala com um amigo ou se faz amor com uma pessoa amada são infinitamente mais
intensas que a primeira. Isso vale também para os lugares; a viagem mais
fascinante é um retorno, como a odisseia, e os lugares de percurso usual, os
microcosmos cotidianos atravessados por tantos anos, são um desafio ulissíaco.
“Porque passeia por estas terras?”pergunta na famosa balada de Rilke, o
porta-estandarte ao Marquês que está ao
seu lado. “Para retornar”, responde o outro”. (L’infinito viaggiare,
de Claudio Magris).
Desnecessário
explicar os tantos sentidos das diversas viagens e travessias que fazemos, mas
essa metáfora me parece extremamente poderosa para expressar tudo que aprendi e
aprendo cada vez que viajo, retorno ou chego a algum lugar...
E já que não
existe viagens sem que atravessemos fronteiras, sejam elas geográficas, sociais,
lingüísticas, culturais, psicológicas e tantas outras que poderíamos listar, por que não dizer das fronteiras do
pensamento? Ou mais precisamente, dos apontamentos sobre Realidade e Ficção, anotados
a partir da fala do psicanalista e escritor Contardo Calligaris, nas Fronteiras do Pensamento, na ilha de SC,
outubro de 2013.
Com seu estilo
que lhe é tão próprio, parece saber que qualquer palavra, gesto ou olhar pode
traduzir pequenos/grandes deslizes ou revelações que por vezes podem ser excessivos,
mas sempre coloridos com as tintas das narrativas que vivemos, contamos e
inventamos para nós mesmos e para os outros.
Entre
lembranças, devaneios e afirmações, suas palavras me tocaram e ainda tocam de
várias maneiras. Poeticamente, quando tangenciam afetos e sentimentos com os
quais me identifico, e de forma prosaica quando percebo as neuroses e psicoses que
também fazem parte do cotidiano de todos nós. Nesse contraste, o lugar da
ficção pode ser definidor, pois para ele, a ficção também pode ser uma unidade
de medida: “Entre realidade e ficção, o valor épico de uma vida que vale a pena
ser contada...”
Para ele, talvez as ficções possam ser algo parecido com o delírio, inclusive na função de orientar no mundo. Nesse caso, o cinema e a literatura podem ter um papel muito especial, pois assistir ou ler a vida de certos personagens ou apenas de alguém que é outra pessoa pode ser não apenas uma forma de revelação para os outros, mas sobretudo para nós mesmos. E destaca: "Indico obras de ficção ou filmes porque acho que ali as pessoas vão encontrar maneiras para se situar no mundo".
Mas o desejo
de viver de tal maneira que nossa vida valesse a pena ser contada, recontada ou
até mesmo inventada... pode nos levar às escolhas inusitadas diante do imponderável
da vida. E aqui, trago novamente as palavras Calligaris, agora escritas por ele
(o som, a fúria e as cartas ) referindo-se
a diversas histórias de possíveis encontros e desencontros que foram e ou
poderiam ter sido, dizendo: “Penso nos convites que recuso, nos livros de estreantes que deixo de
ler, nas amizades que não vingam".
E entre Magris, Calligaris
e muitos outros que me inspiram e compartilham histórias, para além de livros,
convites, viagens, estudos, encontros construídos, recusados ou não acontecidos em 2013, o desejo de
que boas surpresas e bons (re)encontros possam continuar a ser vividos, contados
e/ou inventados em 2014...
2 comentários:
Boa noite Prof Monica
Sou sua aluna da Educ Infancia II e não encontrei o texto para leitura/debate na aula de segunda. A sra tem como enviar para o meu email marguinha55@hotmail.com
O texto é sobre o processo politico social de Freinet, cfe seu cronograma da disciplina.
grata
margareth silveira
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