Por
ocasião do Fórum catarinense do livro e de leitura realizado em Florianópolis, no dia 27/5/2012, entre
organizadores, representantes de diversas instituições (MINC, Secretaria Estadual
de Cultura, Secretaria Municipal de Educação) e a diversidade de participantes com
os mais variados interesses, o escritor Affonso Romano Sant’Anna foi uma das inspirações para
pensar a elaboração de planos de cultura em
diferentes âmbitos (local, estadual e nacional).
Com o talento da palavra que lhe é
próprio, Affonso Romano falou de “leitura mas não de leitura”. Ou seja, falou
dos vários entendimentos que temos a respeito de leitura e suas diversas faces,
e partindo de sua trajetória explicou o que ele entende quando fala de leitura,
que certamente se diferencia de muitos outros
entendimentos.
Destacou que a palavra leitura é
recente, como o são tantas coisas em nosso país, tanto no vocabulário de certa
elite como nas políticas públicas e nas práticas culturais. Assim, a primeira
editora brasileira foi criada em 1917, por
Monteiro Lobato, e a primeira biblioteca pública infantil, em 1936, por Borba
de Moraes. No entanto, a palavra leitura não era discutida. Anos mais tarde, na
década de 1960, Paulo Freire criou um “método de alfabetização” em que a palavra
leitura era um pressuposto, estava submersa no entendimento que a leitura de
mundo precede a leitura das palavras. E finalmente em 1992, foi criada uma
política pública com o Programa Nacional de Incentivo à leitura, o PROLER, vinculado ao Ministério de
Cultura e à Biblioteca Nacional, que naquela época era presidida pelo escritor,
Affonso Romano.
No entanto, a leitura continuou
sendo pouco discutida e valorizada em nosso país, não apenas por desconhecimento,
ignorância, falta de compromisso com a cultura e/ou incompetência de nossos
gestores, mas também a partir dos vários entendimentos sobre o que seja leitura
e sua importância. Alguns intelectuais e também gestores de instituições
públicas consideram que leitura diz respeito apenas à escola; grande parte dos
editores, por sua vez, falam de livros na perspectiva de mercado, não de
leitura nem de leitores. E os professores e estudantes, o que entendem por
leitura? Qual a presença da leitura em nossa vida e na sociedade contemporânea?
Então Affonso Romano tocou em uma
questão primordial: “o lugar comum e o vício de associar leitura com prazer”. Com
o desafio de ir além da idéia do “prazer do texto” ao qual Barthes se refere, ele
chama atenção na associação leitura-prazer visto que nem sempre leitura
significa prazer: “leitura pode ser prazer às vezes, mas leitura é sobretudo trabalho”, pois nasceu da
necessidade.
Ao narrar diversas experiências de
como a leitura pode transformar a vida das pessoas, ele destacou a
especificidade de certas práticas de leitura e as sensibilidades que exigem,
afinal, “nem todo mundo tem tempo para Proust e nem todos possuem sensibilidade
para poesia” que requer outra sintonia.
Por fim, o escritor destacou algumas
situações inusitadas que abriram certas portas da leitura na vida de diferentes
pessoas, sempre afirmando a importância de encontrarmos as chaves apropriadas
para abrir as diversas portas que existem.
E que hoje, neste momento chave que
vivemos, a tecnologia pode ser uma das chaves.
Além dos diversos modos de ler, a
cultura digital propicia mais que um suporte do livro ou um espaço de leitura com
inúmeras facetas multimídias. Assim, certas mídias, tecnologias e suas
ferramentas podem assegurar ter a bibliotecas ao alcance da mão, com uma diversidade
de repertórios inimagináveis, que envolvem desde grandes clássicos da “literatura
universal” até recentes produções literárias que podem ser encontradas de forma
gratuita nas redes digitais.
Certamente a cultura digital
implica outros modos de ler, de ver, de saber e de habitar e temos que
continuar a problematizar o que entendemos pelas diferentes práticas de
leituras que essa cultura propicia. Questões básicas como as modificações no
suporte (da leitura no papel impresso e nas telas), as sensibilidades do uso,
manuseio e materialidade do livro impresso, as novas sensibilidades provocadas
pela hipertextualidade do digital até as lógicas de leituras que operam de diferentes
formas em diferentes cenários, sejam elas verticais, horizontais ou transversais
e seus modos de atenção e apreensão.
Enfim, se U. Eco e J. C. Carrière
estão certos ao dizer Não contém com o
fim do livro, e se Affonso Romano está certo ao falar lindamente da importância de Ler o mundo e da “leitura como uma
tecnologia”, com a licença poética que cabe em nossas tantas releituras, podemos dizer: enquanto uma criança estiver lendo, não contém com o fim das leituras e não das leituras...
Nenhum comentário:
Postar um comentário