Ao continuar a discussão a respeito das diferentes ênfases teórico-metodológicas e abordagens da pesquisa em educação e comunicação na disciplina Seminário de Dissertação I, PPGE/UFSC, essa semana tivemos a presença do Prof. Wladimir Garcia falando sobre as possibilidades da pesquisa na perspectiva pós-estruturalista.
Considerando que não há uma epistemologia nas Ciências Humanas, há que se fazer um esforço para pensar as possibilidades de sistematização. Se o conhecimento nas artes é sistematizável, "arte é sensação", "cultura é paisagem", há que buscar imagens móveis e flexíveis para essas novas matérias. Assim, o professor falou de sua experiência com a pesquisa e da possibilidade do ensaio, entendendo a dissertação/tese como um trabalho de passagem, como uma verdade provisória e um “pensamento fraco”, como diz Gianni Vattimo. Para Wladimir, o ensaio seria como um working progress, uma análise e um trabalho que de certa forma nunca acaba, e numa analogia com os conceitos de luto e perda na psicanálise, seria como parar de chorar mas sabendo que a dor permanece.
Ao falar dos três ensaios sobre o tempo, o espaço e a linguagem, como linha de fuga e espaço de criação no seu trabalho "O cometa e o bailarino: a modernidade em Murilo Mendes", ele revelou sua poética sincrônica. Ou seja, o cruzamento entre os eixos diacrônico (relação do autor com sua história e seu devir) e sincrônico, a dança que se realiza no corte do tempo presente e que se mantém (a partir das relações com autores, parceiros, grupos de pessoas) com comunidades desejantes que alimentam e motivam o nosso pensar.
Wladimir enfatizou que na construção da pesquisa, a idéia do desenho é fundamental. Um desenho que estrutura o pensamento e a partir dessa estrutura se percebe as tensões internas, os conflitos produtivos (que é a grande lição da pós-modernidade). Nem sempre é necessário (e possível) eliminar as tensões, e às vezes elas se transformam em paradoxo, "melhor ainda quando nesse percurso encontra uma aporia", diz ele.
Se hoje escrever uma tese por ensaio, com partes independentes que se relacionam, pode ser considerado algo comum, foi uma conquista fruto de um trabalho de pequenas rupturas. E hoje, a ruptura parece ser outra, como a idéia do limiar, de um portal de entrada. Esse limiar ou portal de onde se vislumbra coisas novas também é anacrônico, e o antigo vira novo. E então Wladimir recupera a idéia de “índice como hipótese”, trabalhado por Umberto Eco, para compor os traços do desenho a ser construído na tese.
Ou seja, o índice como hipótese de trabalho, como estrutura relacional, parte e expressão do trajeto inicial, um plano de trabalho em movimentos. Nesses movimentos, os conceitos são cintilações, micro-explosões, epifanias, achados e quando o pesquisador percebe que o conceito pulsa e o atinge, como o punctum de Barthes, ele constrói a escrita.
Nesse desenho da pesquisa, o mapa conceitual pode ser uma forma de articular os diferentes conceitos e os campos conectores que se relacionam entre si e com grandes eixos ou traços. O arcabouço conceitual é a caixa de ferramenta para o pesquisador abrir e usar quando precisa. A partir desse desenho, o trabalho vai se construindo e reconstruindo e pode ser visto como criação, que exige rigor e domínio conceitual. Criação que se origina na “situação problema” e na pergunta “Isso faz questão para mim?”
E para mostrar como essas questões se transformaram em teses e dissertações, Wladimir colocou na roda alguns trabalhos que escapam do formato convencional, trabalhos com técnicas vigorosas e inovadoras, exercícios de bricolagem, trabalhos espacializados, diálogos entre imagens e texto para além da ilustração e das relações hierárquicas da produção textual, performances, mistura de gêneros, estruturas convexas, “comédia intelectual”. Enfim, outros formatos para dar corpo para o objeto, “uma forma que pensa” e para isso, a busca da intencionalidade da forma. Nesse trabalho como ruptura, a crítica pode ser criação e a liberdade não é dissociada do rigor nem da forma.
Nessa perspectiva, o pós-moderno não vem superar o moderno, mas pode ser entendido como um estado agônico que vem problematiza o que se instala nas próprias fendas e rachaduras do existente como um devir. No entanto, esse tipo de trabalho acadêmico e de leitura não é simples, exige abertura, ousadia e um outro nível de elaboração. Há que saber ler.
E como indicação de leituras, O rumor da língua, de R. Barthes, sobretudo os textos “Jovens pesquisadores” e “Concedamos a liberdade de traçar” , e o texto de sua autoria, Pós-modernidade e diferença, onde se encontram alguns elementos teóricos do pensamento pós-estruturalista que influenciam a pesquisa. Elementos que não existem de forma orgânica e sim criativa, como destaca Wladimir, para serem inspiradores da produção da diferença, que pode ser feita em qualquer direção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário