“A verdade sai da boca das crianças. Muito próximas ainda da natureza, são primas do vento e do mar; seus balbucios oferecem a quem sabe ouvi-los, largos e vagos ensinamentos”
J. P. Sartre – As palavras
Criança é enigma, ultrapassa as fronteiras de nosso entendimento quando usamos apenas a razão, escapa ao nosso poder e daquilo que muitas vezes temos a oferecer a ela, nos surpreende com perguntas, olhares, gestos e inversões que parecem brilhar fora desse nosso limite e para alguns, nunca será possível capturá-la com nossos saberes e práticas. Enfim, criança nos desafia e a pesquisa com criança mais ainda.
Então como é possível nos aproximar desse universo da criança? Que encontros são possíveis para decifrar esse enigma que tantas vezes se constitui em sujeitos de nossas pesquisas no campo da mídia-educação?
Talvez uma primeira possibilidade seja a de nos aproximar das crianças, procurar saber o que elas pensam, sentem e dizem sobre sua experiência com a cultura – desde jogos e brincadeiras até artefatos da cultura, da mídia e da tecnologia. Captar os olhares das crianças sobre as interações que estabelecem com tais produções e com o outro, os contextos e significados que essa experiência pode ter é uma das condições para pensar em mediações possíveis que cruzam os territórios da educação formal e informal.
Ao concordar com Sartre nas palavras da epígrafe acima, não podemos esquecer que a especificidade das vozes e dos olhares das crianças também estão atravessados pelas mediações do mundo adulto em suas diversas expressões através da cultura. E nas falas das crianças é possível perceber desde obviedades até estranhamentos e sofisticadas impressões que desafiam nossa capacidade de interpretar os possíveis significados que se movimentam nos sinuosos caminhos da mediação adulta.
No entanto, para captar a especificidade das interações das crianças, seus olhares, falas, silêncios e gestos, que muito nos dizem sobre a experiência da significação a partir da cultura lúdica, mídia e tecnologia, não basta nos aproximarmos delas para saber o que elas dizem. É preciso estarmos alicerçados em instrumentos teórico-metodológicos que ajudem a investigar tais sentidos, e foi na compreensão de Benjamin sobre o “método como desvio” que buscamos inspiração para entender a relação das crianças com as mídias em uma pesquisa sobre criança, cinema e mídia-educação.
Entender o método como desvio significa a renúncia à discursividade linear da intenção particular em proveito de um pensamento minucioso e hesitante, que sempre volta ao seu objeto por diversos caminhos e desvios.
Caminhos que incluem diferentes formas de aproximação com o objeto, o uso de diversas técnicas de pesquisa e suas problematizações para não cair nas “armadilhas” que os sujeitos de pesquisa nos preparam, a relação entre criança e pesquisador, o diálogo como princípio educativo, a produção de mídia com crianças, a dimensão de autoria e tantas outras questões que asseguram outras formas de participação das crianças na pesquisa e na cultura.
Assim, discutindo como algumas pesquisas com criança e mídia, através da experimentação didática, da intervenção educativa e da pesquisa-ação podem se constituir em experiências de mídia-educação, encerramos as abordagens teórico-metodológicas no Seminário de Dissertação ECO I.