quinta-feira, 9 de março de 2017

Dilemas e perspectivas contemporâneas da pesquisa em educação: o óbvio também precisa ser dito


Muito honrada com o convite para realizar a Conferência de Aula Inaugural dos Programas de Pós-Graduação da UNEB (PPGEduC, Gestec, MPEJA, MPED, DMMDC),  que aconteceu no dia 7 de março de 2017 no Teatro Caetano Veloso, da UNEB em Salvador, compartilho alguns aspectos de tal experiência.

Num primeiro momento a tendência foi declinar do convite diante de outros compromissos assumidos anteriormente e do pouco tempo que seria entre um e outro. Mas de certa forma, já acostumada com bate-volta, assumi o desafio: por onde começar? Embora esse tema não seja o foco de minhas pesquisas, penso que [quase] todo pesquisador se depara com isso e assim, é possível supor que todos temos muito a dizer sobre o tema. Nesse caso, a mirada e com quem escolhemos dialogar pode fazer a diferença para tratar do  assunto.

Num momento ético-político tão complexo como o que estamos vivendo, o campo da educação em geral e a universidade pública em particular, têm apresentado desafios imensos para quem atua com pesquisa e as tensões e contradições que fazem parte desse fazer acabam dando as tintas e as tonalidades de nossa reflexão. Sobretudo quando constatamos a  “eterna crise” na educação e nas instiutuições, que não estão mais conseguindo responder satisfatoriamente às necessidades básicas da formação humana e da construção de sentido diante da complexidade do mundo contemporâneo.

O fio condutor escolhido para a aula foi inspirado na função da arte expressa por T. Williams,  “captar o eterno no que é desesperadamente fugaz”, mas também desenvolvida pela filosofia e pela ciência na perspecitva de Deleuze e Guattari, que consideram essas duas formas junto com a arte, as formas com que o pensamento  humano se expressa. Desse modo, busquei refletir sobre o tema a partir de uma intersecção  entre essas formas  de pensar a pesquisa.

Perguntas sobre o que entendemos por pesquisa, qual o sentido de pesquisar hoje, sobre a formação do pesquisador e sobre as marcas deixadas por nossas pesquisas interrogam o lugar de onde se pergunta. E se  interrogar é investigar,  o pesquisador também  atua como  troublemaker,  ou seja, como um fazedor de perguntas e/ou um criador de problemas na diversidade e multiplicidade de investigações possíveis.

Entre alguns  dilemas elencados, a ideia de pesquisar o contemporâneo estando imerso nele remete nos leva a concordar com Agambén quando diz que pesquisar no contemporâneo significa também prestar atenção às zonas escuras da realidade, não só às claras.  Aliado a isso, a inversão do mito da caverna sugerida por Deleuze quando diz que não precisamos levar o outro para fora da caverna em busca da luz, mas aprofundar o estudo da sombra. Uma boa metáfora para pensarmos o papel e/ou desejo utópico do intelectual e pesquisador  hoje.

Desse modo, uma perspectiva seria pensar/operar práticas investigativas que respondam ao claro-escuro das necessidades educativas atuais, contraditórias e paradoxais,  considerando a construção de  subjetividades em um mundo volátil, incerto, complexo ambíguo e levando em conta também as múltiplas possibilidades (narrativas, visuais, multimodais) de produção de conhecimento,  que a experiencia de pesquisa  permite mediar ao transitar pelos entornos educativos formais e informais.

Outro dilema da pesquisa entendida como pergunta e reflexão e suas dimensões política, cultural, educativa, ética e estética é que ela também pode sinalizar alguma “ordem no caos” ao olharmos a realidade . E aqui, mais uma vez, o plano, os conceitos e os personagens de Deleuze nos inspiram a pensar nas necessárias articulações  macro-micro.

O “recuo da teoria” nas pesquisas, dilema sugerido por Marcondes há mais de 15 anos,  também pode ser discutido junto ao mal-estar epistemológico e ao ceticismo presente em nossos dias, o que motiva os "pós",  "neo", "anti" e tantos outros que nos levam a tentar entender esse real.  Mas  podemos perguntar: o recuo de que teoria se está falando? E como tal recuo  tem propiciado o surgimento de outras práticas/teorias?  É possível ousar ir além da rigidez de certos padrões epistemológicos, educacionais, éticos ou políticos sem a chancela moderna de algumas “certezas” ? Talvez construir pontes entre passado presente futuro buscando outras posições ontológicas, epistemológicas e metodológicas para estudar os fenômenos que configuram nossa realidade seja uma pista. Nesse caso,  é ncessário rever também a relação entre investigador e investigado por meio de narrativas e epistemologias  que promovam outros entendimentos dos problemas sociais, educativos, cuturais.

A pesquisa como dispositivo, espaço, tempo e movimento de ideias também nos leva a pensar na urgência de mudar as perguntas, os óculos /lentes com que enxergamos  para vislumbrar novas formas de conhecer sentindo e sentir conhecendo, como sugere Benjamin, redimensionando aí o papel da corporeidade nessa relação.  Também no horizonte, a urgência de mudar a relação com os tempos de aprendizagem do sujeito e os tempos institucionais, o que nos leva a discutir a questão do financiamento das pesquisas e a própria  relação ensino-pesquisa-extensão. Nesse sentido, como não problematizar certos  dilemas éticos, políticos, estéticos e culturais que precisam ser discutidos quando falamos em recriar a universidade do século XXI? 

Para isso, buscar outras inspirações, intersecções e conexões é fundamental, assim como  pensar outras tecnologias e metodologias. A esse respeito, as metodologias pós-qualitativas e as trajetórias não-lineares de pesquisa podem recolocar a noção de investigar e ampliar os significados e as possibilidades de entendimento da pesquisa. Uma pesquisa que possa promover e explorar novas fronteiras de modo atuar em uma realidade complexa a partir de perspectivas inter e transdisciplinares que transcendem os territórios e que atuam cada vez mais na direção de pesquisas interinstitucionais e internacionais, como sinalizam alguns exemplos e boas práticas desenvolvidas em diversos contextos.
Processos múltiplos e plurais que evidenciam desafios imensos, negociações constantes mas sem dúvida, de grande riqueza e aprendizado diante de diferentes tradições, perspectivas e abordagens teóricas metodológicas de pesquisa. Desafios sempre lançados, e junto com eles, mais dilemas e mais perspectivas...

Enfim, se essas questões parecem tão óbvias, nunca é demais lembrar que o óbvio também precisa ser dito.  E isso foi possível perceber nos comentários e depoimentos  de algumas pessoas que me procuraram após a aula, enquanto a cantora Juliana Ribeiro lindamente fazia sua apresentação musical para encerrar a atividade.

No tecido dessa experiência, a sempre generosa acolhida de Salvador e a delicadeza da atenção dos colegas da UNEB. Aqui destaco a presença da vice-reitora Carla Liane, da pró-reitora de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação Tania Hetkowski, e dos Coordenadores dos Programas de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado da Bahia, o Prof. Dr. Augusto Cesar Leiro,  do  Programa de Pós Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEduC , do Prof. Dr. André Ricardo Magalhães,   do Mestrado Profissional Gestão e Tecnologia Aplicada à Educação – GESTEC, da Profa. Dra. Tania Regina Dantas,  do Mestrado Profissional em Educação de Jovens e Adultos – MPEJA, da Profa. Dra. Ana Lúcia Gomes, do  Mestrado Profissional em Educação e Diversidade- MPED, e da Profa. Dra. Suely A. Messeder, do  Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão de Conhecimento – DMMDC.  Personagens que junto com os demais participantes do evento, construíram mais esse momento de encontro e aprendizado para mim, a quem expresso minha gratidão.

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