Muito honrada com o convite para
realizar a Conferência de Aula Inaugural dos Programas de Pós-Graduação da UNEB
(PPGEduC, Gestec, MPEJA, MPED, DMMDC), que aconteceu no dia 7 de março de 2017 no
Teatro Caetano Veloso, da UNEB em Salvador, compartilho alguns aspectos de tal
experiência.
Num primeiro momento a tendência foi
declinar do convite diante de outros compromissos assumidos anteriormente e do
pouco tempo que seria entre um e outro. Mas de certa forma, já acostumada com
bate-volta, assumi o desafio: por onde começar? Embora esse tema não seja o
foco de minhas pesquisas, penso que [quase] todo pesquisador se depara com isso
e assim, é possível supor que todos temos muito a dizer sobre o tema. Nesse
caso, a mirada e com quem escolhemos dialogar pode fazer a diferença para
tratar do assunto.
Num
momento ético-político tão complexo como o que estamos vivendo, o campo da
educação em geral e a universidade pública em particular, têm apresentado
desafios imensos para quem atua com pesquisa e as tensões e
contradições que fazem parte desse fazer acabam dando as tintas e as tonalidades
de nossa reflexão. Sobretudo quando constatamos a “eterna crise” na educação e nas instiutuições,
que não estão mais conseguindo responder satisfatoriamente às necessidades
básicas da formação humana e da construção de sentido diante da complexidade do
mundo contemporâneo.
O fio condutor escolhido para a aula foi
inspirado na função da arte expressa por T. Williams, “captar o eterno no que é desesperadamente
fugaz”, mas também desenvolvida pela filosofia e pela ciência na perspecitva de
Deleuze e Guattari, que consideram essas duas formas junto com a arte, as
formas com que o pensamento humano se
expressa. Desse modo, busquei refletir sobre o tema a partir de uma intersecção
entre essas formas de pensar a pesquisa.
Perguntas
sobre o que entendemos por pesquisa, qual o sentido de pesquisar hoje, sobre a
formação do pesquisador e sobre as marcas deixadas por nossas pesquisas
interrogam o lugar de onde se pergunta. E se
interrogar é investigar, o
pesquisador também atua como troublemaker,
ou seja, como um fazedor de perguntas e/ou um criador de problemas na
diversidade e multiplicidade de investigações possíveis.
Entre alguns dilemas elencados, a ideia de pesquisar o
contemporâneo estando imerso nele remete nos leva a concordar com Agambén
quando diz que pesquisar no contemporâneo significa também prestar atenção às
zonas escuras da realidade, não só às claras.
Aliado a isso, a inversão do mito da caverna sugerida por Deleuze quando
diz que não precisamos levar o outro para fora da caverna em busca da luz, mas aprofundar
o estudo da sombra. Uma
boa metáfora para pensarmos o papel e/ou desejo utópico do intelectual e
pesquisador hoje.
Desse modo, uma perspectiva seria pensar/operar
práticas investigativas que respondam ao claro-escuro das necessidades
educativas atuais, contraditórias e paradoxais, considerando a construção de subjetividades em um mundo volátil, incerto,
complexo ambíguo e levando em conta também as múltiplas possibilidades
(narrativas, visuais, multimodais) de produção de conhecimento, que a experiencia de pesquisa permite mediar ao transitar pelos entornos
educativos formais e informais.
Outro dilema da pesquisa entendida como pergunta e reflexão
e suas dimensões
política, cultural, educativa, ética e estética é que ela também pode sinalizar
alguma “ordem no caos” ao olharmos a realidade . E aqui, mais uma vez, o plano,
os conceitos e os personagens de Deleuze nos inspiram a pensar nas necessárias articulações macro-micro.
O
“recuo da teoria” nas pesquisas, dilema sugerido por Marcondes há mais de 15
anos, também pode ser discutido junto ao
mal-estar epistemológico e ao ceticismo presente em nossos dias, o
que motiva os "pós",
"neo", "anti" e tantos outros que nos levam a tentar
entender esse real. Mas podemos perguntar: o recuo de que teoria se
está falando? E como tal recuo tem
propiciado o surgimento de outras práticas/teorias? É possível ousar ir além da rigidez de certos
padrões epistemológicos,
educacionais, éticos ou políticos sem a chancela moderna de algumas “certezas”
? Talvez construir pontes entre passado presente futuro buscando outras
posições ontológicas, epistemológicas e metodológicas para estudar os fenômenos
que configuram nossa realidade seja uma pista. Nesse caso, é ncessário rever também a relação entre
investigador e investigado por
meio de narrativas e epistemologias que promovam outros entendimentos dos
problemas sociais, educativos, cuturais.
A
pesquisa como dispositivo,
espaço, tempo e movimento de ideias também nos leva a pensar na urgência de mudar
as perguntas, os óculos /lentes com que enxergamos para vislumbrar novas formas de conhecer
sentindo e sentir conhecendo, como sugere Benjamin, redimensionando aí o papel
da corporeidade nessa relação. Também no
horizonte, a urgência de mudar a relação com os tempos de aprendizagem do
sujeito e os tempos institucionais, o que nos leva a discutir a questão do
financiamento das pesquisas e a própria relação ensino-pesquisa-extensão. Nesse
sentido, como não problematizar certos dilemas
éticos, políticos, estéticos e
culturais que precisam ser discutidos quando falamos em recriar a universidade do século XXI?
Para isso, buscar outras
inspirações, intersecções e conexões é fundamental, assim como pensar outras tecnologias e metodologias. A
esse respeito, as metodologias pós-qualitativas e as trajetórias não-lineares
de pesquisa podem recolocar a noção de investigar e ampliar os significados e
as possibilidades de entendimento da pesquisa. Uma pesquisa que possa promover
e explorar novas fronteiras de modo atuar em uma realidade complexa a partir de
perspectivas inter e transdisciplinares
que transcendem os territórios e que atuam cada vez mais na direção de pesquisas
interinstitucionais e internacionais, como sinalizam alguns exemplos e boas
práticas desenvolvidas em diversos contextos.
Processos
múltiplos e plurais que evidenciam desafios imensos, negociações constantes mas
sem dúvida, de grande riqueza e aprendizado diante de diferentes tradições,
perspectivas e abordagens teóricas metodológicas de pesquisa. Desafios sempre
lançados, e junto com eles, mais dilemas e mais perspectivas...
Enfim,
se essas questões parecem tão óbvias, nunca é demais lembrar que o óbvio também
precisa ser dito. E isso foi possível
perceber nos comentários e depoimentos
de algumas pessoas que me procuraram após a aula, enquanto a cantora
Juliana Ribeiro lindamente fazia sua apresentação musical para encerrar a
atividade.
No tecido dessa experiência, a
sempre generosa acolhida de Salvador e a delicadeza da atenção dos colegas da UNEB.
Aqui destaco a presença da vice-reitora Carla Liane, da pró-reitora de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação Tania Hetkowski, e dos Coordenadores dos Programas de
Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado da Bahia, o Prof. Dr.
Augusto Cesar Leiro, do
Programa de Pós Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEduC , do
Prof. Dr. André Ricardo Magalhães, do Mestrado Profissional Gestão e Tecnologia
Aplicada à Educação – GESTEC, da Profa. Dra. Tania Regina Dantas, do Mestrado Profissional em Educação de Jovens
e Adultos – MPEJA, da Profa. Dra. Ana Lúcia Gomes, do
Mestrado Profissional em Educação e Diversidade- MPED, e da Profa. Dra.
Suely A. Messeder, do Doutorado
Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão de Conhecimento – DMMDC. Personagens que junto com os demais
participantes do evento, construíram mais esse momento de encontro e aprendizado
para mim, a quem expresso minha gratidão.
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