Por vezes, tão importante quanto fazer
referência aos eventos que participamos, pode ser compartilhar um pouco algumas
cenas dos bastidores, que nesse caso fizeram a diferença para mim. No dia
4/11/2016, ao caminhar pelas ruas de Barcelona procurando o Museu de Arte
Contemporanea, MACBA, local onde se realizaria o Simpósio Focusing on the learning: The Philosophy at School and
University to Forster Student Agency and Collaborative learning, encontrei
um homem que era de Londres e que estava na mesma situação, ou seja, também
estava indo ao evento. Quando falou onde trabalhava, na London School of
Economics, disse-lhe que conhecia o trabalho de alguns professores de lá, como
Sonia Livingstone, e quando ele disse que trabalhava com ela, aos poucos descobri
que ele era Julien Sefton-Green, o professor que faria a conferencia de
Abertura no simpósio. Logo em seguida chegamos ao local e encontramos os
anfitriões do evento, Fernando Hernandez e Juana Sancho Gil, professores da
Universidade de Barcelona. Narrei esse encontro pois esse acaso possibilitou
uma troca muito particular durante o evento e assegurou outros olhares às
demais participações.
O
tema do evento foi em torno da pesquisa DIYLab – Do It Yourself in Education: Expanding Digital
Competence to Foster Student Agency and Collaborative Learning, que
por sua vez é fruto de um consórcio e projeto europeu que envolveu
pesquisadores de Barcelona /Espanha, Finlandia e República Tcheca. Interessante
destacar que além dos pesquisadores, os professores das escolas que
participaram da pesquisa também estavam presentes socializando as experiências,
e como é comum nesse tipo de evento de socialização da pesquisa, sempre se destaca a presença de convidados para
discutir os resultados da investigação.
O sentido da aprendizagem Do It
Yorself, que no contexto da pesquisa foi entendido como “faça você mesmo
colaborativamente”, foi a base da
discussão que considera os estudantes no centro da experiência de aprendizagem,
criadores dos seus próprio processos e materiais/produções de modo colaborativo.
A ênfase no potencial e na capacidade de agência dos estudantes, no
desenvolvimento de suas competências digitais e nas práticas colaborativas com
o uso de tecnologias permeou a discussão das diferentes experiências. Como a programação
do simpósio estava muito intensa, farei uma breve síntese para compartilhar
alguns pontos que chamaram minha atenção.
Na conferência de abertura, os desafios de ensinar e aprender na
sociedade digital, com o tema Do-it-Yoursef: a cultural history of digital
autodidactism, Sefton-Green refletiu sobre como o autodidatismo pode reconduzir os novos modos de aprendizagem
a partir da noção de “faça-você-mesmo” e da “cultura maker”. Pautado em
recentes estudos etnográficos que acompanharam jovens dentro e fora da escola,
o destaque para alguns episódios que evidenciaram aprendizagens autodidatas desencadeadas
pelo acesso ao Youtube e seus tutorais. Interessante destacar que a partir dos exemplos dado, sobre
aprendizagem de música, também foram evidenciadas algumas práticas clássicas que
requerem disciplina, ensaio e dedicação. Nesse sentido, Sefton-Green também
enfatizou algumas características da especifidade de tais aprendizagens informais e as possibilidades deste tipo de canal se
tornar um recurso-chave para a educação formal, desde que se atente para a
questão da disponibilidade e qualidade do que é proposto e/ou escolhido. Ele também
discutiu alguns mitos presentes nessa noção de agência, de ativismo, do digital
e do potencial democrático que está redefinindo novas formas de aprendizagem e
de participação. Por fim, ele destacou a necessidade de mais pesquisas a
respeito, sobretudo em contextos em que a diferença de capital social e
cultural e sua distribuição desigual repercute de modo diferente em certas
práticas e que não podem ser consideradas como padrão. Ou seja, se a
distribuição é desigual, temos que ter essa consciência em nossas análises. Parece
óbvio, mas por vezes certas visões celebratórias deixam de explicitar tais questões,
que certamente são muito instigantes.
Ao expor alguns resultados e
desafios do projeto DIYLab, o professor Fernando Hernandez situou alguns
pontos-chaves que fundamentam a pesquisa e redefinem certos conceitos: DIY; criatividade;
auto-avaliação; competências digitais; o trabalho com escolas e cultura de troca
e intercâmbio entre realidades sociais diversas; a construção e o exercício da noção de agência, no presente e construindo
o futuro hoje; e a reflexão constante sobre os desafios do percurso. Assim, para ele, o DIY não é aprendizagem
individual, a criatividade é um processo
coletivo, se aprende com os outros para
compartilhar e seguir aprendendo, e o sentido de colaboração se evidencia em
todo o processo. Ou seja, o DIY não é
apenas “fazer coisas” e sim uma filosofia.
Na continuidade, as experiências, as
questões, os desafios e as especificidades da pesquisa nos contextos finlandês,
tcheco e catalão a partir das narrativas de pesquisadores e professores de
diferentes níveis de ensino. Relatos de experiências sobre a filosofia DIY no
ensino superior e em outras instituições enfatizaram o potencial transformador
da cultura e do movimento “maker” na Universidade de Barcelona, na Universidade
de Girona, no Centro de Arte e Criação Industrial de Asturias, e na Universidade do Missouri.
Na mesa de convidados externos que discutiram
a pesquisa foram apontados diferentes aspectos
conforme as procedências e lugares de cada um de modo a problematizar
certos aspectos que emergiram na discussão. Também destaco uma mesa redonda com professores e estudantes
evidenciando o que mais aprenderam com a participação no projeto.
No encerramento com os coordenadores
de cada equipe, a professora Juana Sancho destacou a importância do trabalho de
colaboração, pois “o grupo chega onde o indivíduo não chega”. Entre as
dificuldades, ela sublinhou a rigidez do
sistema educativo e certa “colonização
mental”, sobretudo na universidade, o que nos desafia a “desconstruir para
construir”.
A discussão desencadeada no simpósio
teve certa continuidade com a participação de dois convidados na disciplina
ministrada por Profa. Juana Sancho na UB.
A professora Mariana Maggio, da Universidade de Buenos Aires, enfatizou as práticas narrativas que articulam
experiências de aprendizagem a partir de alguns pilares que tem trabalhado na
formação universitária portenha: combinação, intermitência, documentação e alteração de formas. A “didática ao vivo” e
as diferentes formas de socialização dão visibilidade às mudanças pedagógicas
propiciadas pela filosofia DIY. Por sua
vez, o professor Ralph Cordova, da Universidade do Missouri/St Louis , EUA, refletiu
sobre algumas perspectivas teóricas desse movimento maker a perspectiva cultural e do fazer; a
perspectiva da alfabetização e linguagens; a perspectiva da oportunidade de
aprender a aprender; e a perspectiva das paisagens culturais para a
aprendizagem. Por fim, a reconstrução do processo, o destaque para a
possibilidade de implicar o aluno e de transformar as situações...
Desafio imenso se considerarmos os
atuais cenários em que vivemos!
2 comentários:
Sim, por vezes esses acontecimentos dos bastidores, esses "encontros e desencontros", são tão importantes quanto os eventos em si. Gostei demais da forma que o encontro entre vocês aconteceu (só essa passagem já daria uma bela obra literária...).
"pois 'o grupo chega onde o indivíduo não chega'”. Que bonito e de uma força intensa essa pequena frase. Tão óbvio, tão esquecido.
Você tem uma forma de escrita muito leve, Monica. Meus parabéns!
Continue escrevendo e contando um pouco mais de suas experiências (sem esquecer de contar essas dos bastidores).
Obrigada, Douglas.
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