O quanto as políticas públicas dialogam com as pesquisas acadêmicas?
Diversas vezes nos fazemos essa pergunta, e lamentavelmente a resposta não tem
sido muito favorável, sobretudo ao constatarmos os distanciamentos entre as
políticas que na maioria das vezes desconsidera o que se constata nas pesquisas
e seus possíveis desdobramentos. Esse quadro se agrava se pensarmos que grande
parte das pessoas que ocupam lugares estratégicos na elaboração de políticas
públicas por vezes são colegas que estão “momentaneamente” no governo. Com a
intenção de discutir algumas perspectivas para as políticas públicas em relação
às crianças e a cultura digital,
aconteceu o evento Crianças e Adolescentes na era digital: novas perspectivas para as políticas públicas,
no dia 4/4/217, em São Paulo, promovido pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR – NIC.br,
Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br, Fundo das Nações Unidas para a
Infância, Unicef e SaferNet Brasil, com apoio do Instituto Alana. O evento
contou com a presença de diversos pesquisadores nacionais e internacionais e com
representantes multissetoriais
do governo federal, da sociedade civil e do setor privado.
A abertura do seminário contou com a presença de Sonia Livingstone,
professora do Departamento de Mídia e
Comunicação da London School of Economics and Political Science, que vem
investigando a relação entre mídia e infância, e coordena projetos
internacionais sobre crianças e adolescentes on-line, como o EU
Kids Online, desenvolvido em países europeus, e o Global Kids Online, que
integra outros países da África e da América do Sul, em estudo
piloto. Trata-se de um projeto de pesquisa internacional que visa
sustentar evidências em diversos países em torno do uso da Internet por
crianças através da criação de uma rigorosa com base e uma rede global de
pesquisadores e especialistas. A equipe do projeto trabalha para conectar as
novas evidencias em diálogo internacional visando encaminhamentos práticos no
sentido de políticas para o bem-estar e os direitos das crianças na era digital
infantil, especialmente no hemisfério sul. A pesquisa conta com apoio da Unicef
e revela uma consistente trajetória no sentido da metodologia, das ferramentas
qualitativas e quantitativas, bem como na adaptação de tais ferramentas
conforme o contexto investigado.
Além da
riqueza dos dados e das análises, durante a discussão, um dos argumentos que
chamou a atenção foi o de que precisamos dados quantitativos para justificar a
importância e a necessidade de políticas públicas a respeito do tema. Sim, é
compreensível, mas por que “só” o quantitativo interessa aos elaboradores de
políticas públicas? E a quem interessa a verticalização das análises a fim de
tentar saber e entender a qualidade do que é feito por crianças e adolescentes
na internet? Para além das hierarquias e divisões, fiquei curiosa em saber se e
como os grandes institutos que fazem pesquisa quantitativa sobre o tema dialogam
as pesquisas de cunho qualitativo produzidas nos ambientes acadêmicos dos mais diversos
contextos, que muitas vezes usam seus dados como ponto de partida? Certamente a
verticalização de algumas análises qualitativas podem revelar outras facetas e
aspectos a serem investigados no âmbito das práticas investigativas com
crianças e jovens e internet. Nesse sentido, ainda temos muitas pontes a
construir...
É importante lembrar que para alguns estudiosos, a pesquisa quantitativa
num futuro próximo não fará mais sentido, pois seria apenas uma questão de
organizar e ou socializar o acesso aos dados pelo fenômeno big data. Mas quem
controla o big data? Como ter acesso a esse enorme armazenamento de uma quantidade imensa de
dados, e a capacidade de valorar as mais diversas informações baseados no que
se convencionou chamar de 5 Vs: valor, volume, velocidade, variedade e
veracidade? Imaginar esse grande número de informações nas revisões de
literatura das pesquisas facilitaria muito a vida de muitos pesquisadores, mas
parece que tal acesso não é tão simples assim e que dificilmente modificaria
uma postura tão cristalizada, pelo menos por enquanto...
A atualidade de tal questão também pode
ser constatada de alguma forma no encontro anual da SIREM, Società Italiana
Ricerca sull’Educazione Mediale, que aconteceu em Capobasso/Molise, nos dias 20
e 21/4/2107, com o tema Mídia
educação: pesquisa, formação universitária, profissão. Entre os temas
clássicos, a atualização das questões colocadas há mais de 10 anos
no cenário internacional da mídia-educação revela que na tão enfatizada cultura
maker, a dimensão reflexiva parece deixar a desejar, afinal, pouco se reflete
sobre o que se produz e compartilha em rede. E isso ocorre em diversos níveis,
o que interpela ainda mais o lugar da mídia-educação na formação de professores,
seja como disciplina, seja como tema transversal, ou ainda como perfil
profissional ligado a uma profissionalidade docente, mas sobretudo como postura
pedagógica de todo professor, como já dizia Jacquinot, em 1998.
Essa evidência da pouca reflexividade em
relação às mídias tradicionais, sociais e digitais e da dificuldade de crianças
e jovens entenderem o que é verdade e falso a partir das imagens e
do quanto compreendem a partir da experiência direta da realidade também
foi discutida na mesa sobre Pós-verdade. No debate, essa ideia foi questionada
sobre o que tem de velho e de novo neste conceito, e por que foi proposto
com tal centralidade, o que nos leva a perguntar pelo imenso desafio da
mediação em buscar novas formas de fazer e estimular a crítica e sobretudo
sensibilizar o exercício da suspeita, que é mais que o aparato da desconstrução
e do pensamento crítico, pois implica sensibilizar a responsabilidade do
usuário/produtor. E aqui reside outro desafio à mídia-educação, pois se nas primeiras
teorias a ênfase era na representação da realidade para desconstruí-la, hoje,
com a evolução tecnológica e social, formar a sua responsabilidade é
espaço de nova reflexão.