domingo, 30 de abril de 2017

Crianças/jovens na era digital e pós-verdade: espaços de "nova" reflexão da mídia-educação?



O quanto as políticas públicas dialogam com as pesquisas acadêmicas? Diversas vezes nos fazemos essa pergunta, e lamentavelmente a resposta não tem sido muito favorável, sobretudo ao constatarmos os distanciamentos entre as políticas que na maioria das vezes desconsidera o que se constata nas pesquisas e seus possíveis desdobramentos. Esse quadro se agrava se pensarmos que grande parte das pessoas que ocupam lugares estratégicos na elaboração de políticas públicas por vezes são colegas que estão “momentaneamente” no governo. Com a intenção de discutir algumas perspectivas para as políticas públicas em relação às crianças e  a cultura digital, aconteceu o evento Crianças e Adolescentes na era digital: novas perspectivas para as políticas públicas, no dia 4/4/217, em São Paulo, promovido pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR – NIC.br, Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br, Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef e SaferNet Brasil, com apoio do Instituto Alana. O evento contou com a presença de diversos pesquisadores nacionais e internacionais e com representantes multissetoriais do governo federal, da sociedade civil e do setor privado. 


A abertura do seminário contou com a presença de Sonia Livingstone, professora do Departamento de Mídia e Comunicação da London School of Economics and Political Science, que vem investigando a relação entre mídia e infância, e coordena projetos internacionais sobre crianças e adolescentes on-line, como o EU Kids Online, desenvolvido em países europeus, e o Global Kids Online, que integra outros países da África e da América do Sul, em estudo piloto. Trata-se de um projeto de pesquisa internacional que visa sustentar evidências em diversos países em torno do uso da Internet por crianças através da criação de uma rigorosa com base e uma rede global de pesquisadores e especialistas. A equipe do projeto trabalha para conectar as novas evidencias em diálogo internacional visando encaminhamentos práticos no sentido de políticas para o bem-estar e os direitos das crianças na era digital infantil, especialmente no hemisfério sul. A pesquisa conta com apoio da Unicef e revela uma consistente trajetória no sentido da metodologia, das ferramentas qualitativas e quantitativas, bem como na adaptação de tais ferramentas conforme o contexto investigado.

Além da riqueza dos dados e das análises, durante a discussão, um dos argumentos que chamou a atenção foi o de que precisamos dados quantitativos para justificar a importância e a necessidade de políticas públicas a respeito do tema. Sim, é compreensível, mas por que “só” o quantitativo interessa aos elaboradores de políticas públicas? E a quem interessa a verticalização das análises a fim de tentar saber e entender a qualidade do que é feito por crianças e adolescentes na internet? Para além das hierarquias e divisões, fiquei curiosa em saber se e como os grandes institutos que fazem pesquisa quantitativa sobre o tema dialogam as pesquisas de cunho qualitativo produzidas nos ambientes acadêmicos dos mais diversos contextos, que muitas vezes usam seus dados como ponto de partida? Certamente a verticalização de algumas análises qualitativas podem revelar outras facetas e aspectos a serem investigados no âmbito das práticas investigativas com crianças e jovens e internet. Nesse sentido, ainda temos muitas pontes a construir...

É importante lembrar que para alguns estudiosos, a pesquisa quantitativa num futuro próximo não fará mais sentido, pois seria apenas uma questão de organizar e ou socializar o acesso aos dados pelo fenômeno big data. Mas quem controla o big data? Como ter acesso a esse enorme armazenamento de uma quantidade imensa de dados, e a capacidade de valorar as mais diversas informações baseados no que se convencionou chamar de 5 Vs: valor, volume, velocidade, variedade e veracidade? Imaginar esse grande número de informações nas revisões de literatura das pesquisas facilitaria muito a vida de muitos pesquisadores, mas parece que tal acesso não é tão simples assim e que dificilmente modificaria uma postura tão cristalizada, pelo menos por enquanto...


A atualidade de tal questão também pode ser constatada de alguma forma no encontro anual da SIREM, Società Italiana Ricerca sull’Educazione Mediale, que aconteceu em Capobasso/Molise, nos dias 20 e 21/4/2107, com o tema Mídia educação: pesquisa, formação universitária, profissãoEntre os temas clássicos, a atualização das questões colocadas há mais de 10 anos no cenário internacional da mídia-educação revela que na tão enfatizada cultura maker, a dimensão reflexiva parece deixar a desejar, afinal, pouco se reflete sobre o que se produz e compartilha em rede. E isso ocorre em diversos níveis, o que interpela ainda mais o lugar da mídia-educação na formação de professores, seja como disciplina, seja como tema transversal, ou ainda como perfil profissional ligado a uma profissionalidade docente, mas sobretudo como postura pedagógica de todo professor, como já dizia Jacquinot, em 1998.   


Essa evidência da pouca reflexividade em relação às mídias tradicionais, sociais e digitais e da dificuldade de crianças e jovens entenderem  o que é verdade e falso a  partir das imagens e  do quanto compreendem a partir da experiência direta da realidade também foi discutida na mesa sobre Pós-verdade. No debate, essa ideia foi questionada sobre o que tem de velho  e de novo neste conceito, e por que foi proposto com tal centralidade, o que nos leva a perguntar pelo imenso desafio da mediação em buscar novas formas de fazer e estimular a crítica e sobretudo sensibilizar o exercício da suspeita, que é mais que o aparato da desconstrução e do pensamento crítico, pois implica sensibilizar a responsabilidade do usuário/produtor. E aqui reside outro desafio à mídia-educação, pois se nas primeiras teorias a ênfase era na representação da realidade para desconstruí-la, hoje, com a evolução tecnológica e social, formar a sua responsabilidade  é espaço de nova reflexão.