quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Eventos em educação e comunicação: escola, currículo, pesquisa e o desafio da colaboração

Na intensidade de alguns eventos ocorridos em outubro e novembro – 38a Reunião Anual da ANPED, V Seminário de WEB Currículo, II Congresso Internacional sobre Competências Midiáticas, VI Seminário Pesquisa em Mídia-Educação - vale compartilhar e/ou destacar alguns aspectos das discussões que chamaram a minha atenção e que permearam estes eventos em que tive o prazer de participar.

A começar pela 38a ReuniãoAnual da ANPED, ocorrida entre os dias 01 e 05/10/17, em São Luís do Maranhão, o trabalho encomendado pelo GT 16/Educação e Comunicação contou com a presença de Paula Sibília discutindo a condição pós-humana na era das tecnologias digitais. A partir do olhar da antropologia, filosofia e comunicação, ela pretende pensar a escola  no âmbito das transformações a partir de uma perspectiva genealógica, destacando a dimensão  do corpo e das subjetividades compatíveis com certas tecnologias e com os modos de vida históricos. Com o foco nos modos de vida propostos pelas tecnologias ao longo do tempo – livro, papel, caneta, computador, celular, telas – no destaque às diversas interações que se estabelecem e as relações consigo, com o outro e com o espaço, Sibília colocou em questão a noção de continuidades destacando as rupturas e seus contrastes a partir de imagens e metáforas que evidenciam a crise na escola, situando premissas, horizontes, modelos e estruturas. Para ela, a escola pode ser entendida como tecnologia de uma época que a seu ver hoje é incompatível com a subjetividade e corpos contemporâneos. As questões provocadas na discussão foram muito ricas e revelaram inquietações necessárias para continuar o debate. Aliás, muitas dessas questões puderam ser ressignificadas no “Elogia da escola” a partir do olhar de Jorge Larrossa, que também participava do evento. Ao retomar o elogio usado no sentido clássico, para Larrossa hoje estamos vivendo de criticar a escola  e, na lógica da defesa proposta por Masschelein,  buscou fazer o seu elogio em defesa da escola ao compartilhar uma experiência com uma oficina de cinema desenvolvida com professores e alunos  de uma escola de Barcelona, no contexto do projeto Cinema en Curs, que teve a escola como tema de estudo. Para ele, ao assumir a escola como objeto de estudo e projeto dos alunos, a escola pode ser entendida como forma, singularidades e objetos que tomam vida, e pelo cinema, tal como diz Tarkovsky, é possível singularizar o ordinário e esculpir o tempo. Obviamente, muitas são as possibilidades de ressignificar a escola e o cinema de modo a promover outros olhares ao debate, mas no momento fiquemos por aqui.

No V Seminário de WEB Currículo,  que aconteceu nos dias 17 e 18/10/2017, na PUC-SP, resistir e reinventar foram palavras que sintetizaram grande parte dos trabalhos. Professores e pesquisadores de diferentes países trouxeram as mais diversas considerações sobre o tema em questão, como se pode ver na riqueza da programação. Tive a honra de participar da mesa Cultura Digital, Currículo e Inovação, juntamente com Alexandra Okada (Open University) e Rojane Rojo (Unicamp) em que foi discutido sobre Pesquisa e a Inovação Responsável (Responsible Research and Innovation) e a abertura de horizontes para educação emancipatória na era digital; Novos letramentos e ensino de Língua Portuguesa; Currículo, entornos tecnológicos, didáticos e culturais. Após apresentação, a discussão estava empolgada a como a perspectiva de continuidade da conversa sempre é muito animadora, nesse ciclo dialógico da educação e cultura digital vamos construindo outras possibilidades para pensar o currículo como prática cultural. Entre os dilemas da prática pedagógica, dos usos das tecnologias nas aprendizagens e da formação de professores, seria desejável pensar um web currículo que pudesse recuperar o processo de produção do conhecimento perguntando pelo que está sendo de fato aprendido, como enfatizaram José Armando Valente e Beth Almeida. Nesse sentido, para além da associação de tecnologia e inovação, Beth argumenta que só há inovação se há impregnação disso no contexto, e tal processo deve sempre vir acompanhado da capacidade de fazer perguntas. Assim, perguntar  “Para que?” “E daí?” “O que significa essa cultura da indignação nesse movimento e nessa formação que entende o currículo como tecnologia?” pode desenhar algumas pistas interessantes para o que estamos construindo.  E junto a essas e outras questões, a mirada na América Latina e Caribe ainda expõe  a velha questão do desafio da qualidade e equidade num contexto de tecnologias emergentes em ambientes de aprendizagem em rede, o que evidencia os gaps de acesso, de competências midiáticas e digitais e do desenvolvimento potencial para aprender e ensinar neste contexto.

Por sua vez, no II CongressoInternacional sobre Competências Midiáticas, ocorrido entre os dias 23 a 25 de outubro de 2017, na Universidade Federal de Juiz de Fora, o cenário euro-latino-americano foi o palco para pensar a relação entre educação e comunicação e os paradigmas de sua integração. A partir de uma pesquisa desenvolvida em rede que envolveu cerca de 13 países, tendo seis universidades brasileiras entre seus participantes e da qual também participamos, o colorido da diversidade sociocultural foi dando as tintas nas diferentes dimensões das competências midiáticas na infância, adolescência e juventude assim como na formação de professores e comunicadores. Diálogos (im)pertinentes entre os desafios apresentados pela Unesco, OCDE, BNCC colocam a pesquisa em debate. A partir de uma perspectiva ecológica das mídias destaca-se a potência de certas práticas multimodais e multissensoriais para facilitar aprendizagens nas mais diversas redes. Perceber experiências aqui, lá e acolá que nos une em alguns aspectos e nos distancia noutros é também se deparar com a riqueza da diversidade e o desafio da constante negociação de sentidos que envolvem os mais diversos conceitos, ritmos, cores e sabores e que também constroem a oportunidade de socializar as generosidades, que para mim também foi um sentido desse evento.

A esse respeito, sobre o VI Seminário de Pesquisa em Mídia-Educação,  que aconteceu nos dias 23 a 25 de novembro de 2017 em Florianópolis, gostaria de destacar a Mesa Mídia-Educação: pesquisa e parcerias, que compartilhou experiências com pesquisadores parceiros do grupo que coordeno junto com Gilka Girardello, o Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e Arte, NICA, UFSC/CNPq. A conversa dessa mesa girou em torno de questões sobre: a)  Principais pesquisas que o grupo vem desenvolvendo nos últimos anos e suas ênfases teórico-metodológicas; b) Questão urgente e/ou desafios para os pesquisadores do campo da Mídia-Educação  e/ou Educação e Comunicação; c)  Outro aspecto que considerar importante. Composta por Andrea Lapa (Comunic/UFSC), Leandro Belinaso (Tecendo/ UFSC), Dulce Cruz (Edumídia/ UFSC), Rogério Pereira (Labomídia/UFSC) Gabriela Borges (Laboratório de Audiovisual/UFJF) também contou com a  participação on line de Nelson Pretto e Maria Helena Bonilla (GEC/UFBA), Cesar Leiro (MEL/UFBA), além de depoimentos em audiovisual de Rosa B. Fischer (Nemes/UFRGS),  Ines Vitorino e Andrea Pinheiro (GRIM/UFC). Com a intenção de que a tecnologia cumprisse o papel de aproximar as pessoas impossibilitadas de estarem conosco presencialmente, alguns “ruídos tecnológicos” dificultaram parte do debate, mas a ousadia foi compensada com possibilidade de reflexão que certas participações promoveram. Por exemplo, quando Nelson fala da dificuldade e dissonância coletiva num grupo de pesquisa, pois é muito difícil trabalhar de forma colaborativa, ainda mais em uma sociedade tão individualista como a nossa, nos mostra que não estamos sós, e que certos dilemas e desafios que enfrentamos em nossos grupos também se fazem presente em muitos outros. Bonilla também ressalta a colaboração como desafio, desprendimento de egos, vaidades e vínculos também, pois cada um que chega/sai nos obriga a reorganizar o grupo, ideia também enfatizada no depoimento de Rosa. E se isso já é difícil no grupo, na pesquisa em parceria é ainda mais. Inclusive porque trabalhar em rede também exige afinidades, como destacou Gabriela, e como sabemos, nem sempre as afinidades são eletivas...

Foi nesse movimento de compartilhar um pensar profundo, de tentar ver cada um no grupo e a pesquisa nessa construção que muitas outras generosidades foram socializadas.


E são essas generosidades compartilhadas que ficam para mim nesse ano que termina e que se emenda no próximo que começa...

domingo, 1 de outubro de 2017

Quando entrar setembro/outubro: entre perdas e homenagens


Sempre gostei do mês de setembro, pois junto com ele, simbolicamente, vem o  tempo vida renascer em flores e como diz letra da canção Sol de Primavera, de Beto Guedes, “Quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos”. No  entanto, o mês de setembro começou com não muito boas novas  para mim. 

A notícia da perda de um amigo querido, Francisco Passos. Médico de crianças e de saúde pública, estudioso de psicanálise que me apresentou Françoise Doltô, também médica e psicanalista de crianças cujo propósito era “despertar o público de adultos, que vivem em contato com as crianças, ao fato que o ser humano é antes de tudo um ser de linguagem. A linguagem exprime seu desejo inextinguível de reencontrar o outro, semelhante ou diferente dele, e de estabelecer com ele uma comunicação”. Passos, Valéria, André e Vitor também trouxeram a alegria da festa junina de rua, típica de Teresina para nossa rua de Floripa, nos tempos em que aqui moraram e que tive a sorte de tê-los como vizinhos queridos que se tornaram amigos mais que especiais.

Agora começa outubro e fico sabendo que o grande e inestimável Selvino Assmann nos deixou. Mestre com quem aprendi a pensar a filosofia, suas aulas no PPGE eram das mais concorridas e suas traduções um convite à leitura e a mil interpretações.  Inteligente, sensível,  generoso, bem humorado, cada encontro com ele tornava a vida mais leve. Uma pessoa, um professor e um intelectual inesquecível, que vai fazer muita falta.

Mas nesse interregno, entre as ausências que deixam as boas lembranças, o carinho e a gratidão por essas pessoas queridas, setembro também teve momentos de homenagens a outras pessoas queridas que fizeram e fazem parte de minha trajetória acadêmica.

Fui convidada a prestar uma singela homenagem à Gilka Girardello, por ocasião de sua aposentadoria. Não é tarefa fácil falar de alguém que marcou profundamente, a quem devo muito das aprendizagens profissionais e pessoais e com quem tive a oportunidade de explorar campos do conhecimento, construir parcerias e muitos outros projetos unindo ensino, pesquisa e extensão. Estudiosa, atenta e bem informada, seus temas de pesquisa – criança, narração de história, comunicação, imaginação, arte, mídia, cultura, escola – são pistas de um saber pedagógico e pontos chaves da formação. Orientadora que se tornou colega, amiga e parceira na coordenação do grupo de pesquisa Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e Arte. Entre tantas marcas e rastros que Gilka - professora, jornalista, pesquisadora, contadora de histórias - deixa, sua generosidade,  disponibilidade e solidariedade fazem a diferença em qualquer situação.


Setembro também trouxe a publicação de uma homenagem da Revista Motrivivência ao professor Pier Cesare Rivoltella. Como recusar um convite de Giovani Pires para escrever algo sobre Rivoltella? Orientador que também se tornou colega e parceiro de pesquisa, seu trabalhos de ensino, pesquisa, intervenção e parcerias revelam seu interesse inter e transdisciplinar em interlocução com diferentes áreas do saber. Seu método de trabalho e sua capacidade de leitura política e pedagógica de temas culturais e educativos revelam uma extraordinária capacidade de síntese, ao lado da pluralidade de interesses, da curiosidade intelectual e do desejo de ampliar suas fronteiras. Se a homenagem que mencionei a Gilka foi num contexto de oralidade, com um texto apenas para orientar a busca de palavras que expressassem sentimentos de gratidão, afeto e trabalho, agora as palavras sobre Pier Cesare se eternizaram num texto que certamente teria muito mais a dizer. Espero sinceramente que não faltem outras oportunidades para tal, pois nossa vida parece ser como a licença poética com que termino o referido texto, E quello che di più bello vorrei dirti ancora non te l'ho detto.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Entre juventudes, movimentos, experiências, redes e afetos


Nada como começar o semestre com um evento sobre juventude para revigorar os ânimos e a esperança! Foi o que aconteceu com a participação no VII Simpósio Internacional sobre Juventude Brasileira, nos dias 14 e 15/8/17 na Universidade Federal do Ceará em Fortaleza, e  em diversos espaços culturais da cidade. Entre tantas ações que o evento desencadeou, o destaque para uma programação intensa, com muitas atividades - simpósios, mesas-redondas, grupos de trabalho, mostras culturais - sobre temas da juventude e relações étnico-raciais, saúde, violência, conflitos, territórios, movimentos sociais, gênero, sexualidade, arte, cultura, trabalho, educação, consumo, novas mídias e muitos outros. Além disso, a criação da Associação Rede JUBRA.

A escolha do tema Juventudes: movimentos, experiências, redes e afetos  foi resultado de uma consulta aos jovens na fan page,  sobre “o que é ser jovem hoje” e o que eles julgavam importante para ser discutido no evento. Essa escolha é muito interessante, pois  revela não apenas a intenção de dialogar com os jovens  sobre de seu universo de interesses e motivações, mas também reforça e demonstra a forte presença dos jovens na elaboração e realização do evento. Afinal, não é muito comum em eventos acadêmicos contar com a participação de interlocutores e parceiros que são também sujeitos e objetos de pesquisa sobre o tema em questão.

Entre movimentos e deslocamentos, experiências compartilhadas, construção e fortalecimento das mais diversas redes movidas pelo desejo e pela emoção de estarmos juntos, foi possível conhecer e construir espaços de encontro e discussão.  Na mesa  sobre Juventudes e Educação,  em que participei juntamente com o Prof. Juarez Dayrel (UFMG) e a Profa. Rosane Castilho (UFG),  as reflexões transitaram por temas como A Contra-reforma no Ensino Médio, e ações educativas com jovens, em que Dayrell pontuou  a ambiguidade de nossa realidade social e a efervescência dos movimentos sociais juvenis com a ocupação nas escolas em tempos tão sombrios, ressaltando sempre o cuidado para não cairmos no fatalismo nem abrir mão da esperança; esperança que por sua vez também foi objeto da reflexão da Rosane, quando compartilhou aspectos de sua pesquisa de pós-doutorado sobre Projeto de vida e visão do futuro de jovens secundaristas das periferias de Goiania, Lisboa e Madrid, e destacou algumas aproximações e diferenças entre esses jovens, para quem o futuro é luta, receio e incerteza. A esse respeito, um pequeno parentese (a conferência de abertura também evidenciou que essa desesperança é transcende as fronteiras, pois estudiosos evidenciam em diferentes contextos e os jovens também estão percebendo que estamos  deixando a eles um mundo pior do que aquele que recebemos de nossos pais. E o mais grave é que se os estudos geracionais apontam que há diversas gerações havia uma perspectiva de melhora, isto parece não se configurar neste momento. Isso me lembrou uma palestra de Francesco Tonucci que assisti em Brescia em 2005, em que ele constatava e denunciava tal aspecto  em relação ao legado que estávamos deixando às crianças). 

E na continuidade desse fio condutor invisível que teceu nossas participações na referida mesa, comecei minha fala Jovens, cultura e educação: dispositivos da arte e da tecnologia na escola com algumas perguntas : Que jovens  estamos formando ? Que mundo estamos construindo/deixando como herança presente e futura aos jovens hoje e em devir? A produção de subjetividades na escola permite  a construção de identidades como reconhecimento e pertencimentos? De que modo os currículos escolares dialogam com as culturas juvenis? Que novas metodologias podem aproximar as aprendizagens formais e informais? E em busca de respostas possíveis, destaquei algumas imagens como retratos multifacetados dos jovens e  suas percepções diante dos processos de sociabilidades, tecnicidades e subjetividades para situar as culturas juvenis nos mais diferentes cenários e territórios, sua estreita ligação com as mídias e as tecnologias e as possibilidades de diálogos com a escola.

Afinal, se o perfil das culturas juvenis é a multiplicidade, como a escola  e seus currículos lidam com a perspectiva mídia-educativa e as novas formas de cidadania propiciadas pela cultura digital? Ao destacar a importância de novas linguagens, novos letramentos, novas atenções e novas metodologias, situei algumas experiências de pesquisa com crianças e jovens estudantes em que evidenciamos tais aspectos  a partir dos dispositivos da arte, do corpo e das tecnologias na escola, de modo a articular e/ou desencadear interessantes processos formativos e investigativos. Processos que consideramos como indícios de compreensão que tornam [inte]legíveis certas narrativas construídas nos grupos de pares expressando  leveza e capacidade de ação que também promovem experiências de aprendizagem, solidariedade, protagonismo e participação.

Como todo evento é encontro, foi lindo rever alguns colegas, e mesmo diante de uma programação tão rica e intensa encontrar um tempo para sair com pessoas queridas e atualizar conversas, projetos e parcerias. Nesse sentido, minha imensa gratidão ao carinho dos organizadores e aos momentos de troca com Andrea Pinheiro, Flávio Paiva e sua mais recente produção, Bulbrax: sociomorfologia cultural de Fortaleza – um livro poético e musical que sintetiza um aprendizado de vivências, culturas e canções por meio de potentes reflexões, entre as quais, a originalidade do conceito proposto no título, entendido “como representação do momento em que ocorre um ato de alteridade no estabelecimento dos vínculos entre campos de sentido na vida urbana”.  Sem dúvida, um belo presente!!