domingo, 27 de março de 2011

Olhar de passagem: mídia, educação e comunicação na escola: uma experiência possível


O convite para participar de algumas atividades promovidas pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará, UFC, em parceira com Associação ENCINE e o projeto LACE permitiu conhecer diversos projetos e experiências de mídia-educação na universidade e nas escolas de Fortaleza.

No diálogo com o Grupo de Pesquisa GRIM, que estuda as relações entre infância, adolescência e mídia, coordenado pela Professora Inês Vitorino, foi possível ver muitas similaridades teórico-metodológicas no estudo e desenvolvimento de pesquisa sobre criança, mídia e educação que têm mobilizado nossos grupos. Além disso, o GRIM também se articula com o Programa de Extensão TVez que diz respeito à Educação para o Uso Crítico da Mídia e envolve o LAPSUS, Laboratório de Psicologia em Subjetividade e Sociedade, com participantes dos cursos de Comunicação Social - Jornalismo e Publicidade e Propaganda - e Psicologiada UFC.

O trabalho pioneiro do GRIM e TVez revela diversas facetas, entre elas uma bela parceria desenvolvida com a ong ENCINE, cujo objetivo é “provocar um novo olhar e uma nova forma de pensar os processos educativos e culturais com crianças, adolescentes, jovens e professores da rede pública de ensino através das tecnologias de informação e comunicação”.

Ao participar do I Seminário Mídia e Educação: outra leitura de mundo é possível, promovido pelo ENCINE e GRIM na UFC, foi possível conhecer diversas produções de mídias feitas por crianças e jovens no contexto do projeto LACE, desenvolvido pelo ENCINE. O LACE, Laboratório de Comunicação Escolar, é um espaço criado na escola com o propósito de atuar como um estúdio de produção de mídias. Com um visual moderno e alegre, os laboratórios funcionam em escolas selecionadas e estão equipados com tratamento acústico, fundo em croma-key, mobiliário e  equipamentos adequados (TV, computador multimídia para edição de áudio e vídeo com software livre, câmera de vídeo digital, câmera fotográfica digital, mesas de luz, scanner, impressora, equipamento de áudio e luz e uma pequena biblioteca sobre comunicação e educação). Ali, são desenvolvidas atividades com estudantes no contra-turno a fim de que eles possam produzir de forma autônoma vídeos, blogs, programas de rádio, desenhos animados, jornais impressos, fanzines, além de criar exposições fotográficas, exibição e veiculação de vídeos e áudio em tempo real via internet (streaming), etc.

Ver e ouvir crianças e jovens apresentarem suas experiências com tais produções, tais como “O que você prefere? Fazer? Ver? Desenhar? Livro? Filme? Simplesmente te amo” e muitos outras produções, bem como suas explicações sobre seus percursos de aprendizagem na construção de mídias e no envolvimento com o projeto e o Programa Megafone, nos faz não apenas acreditar que e possível criar outras condições para que os jovens participem de forma ativa da cultura como também evidencia cada vez mais a importância de que projetos como esse certamente farão a diferença na vida desses meninos e meninas. Ver e ouvir uma professora dizer que ”o Lace na escola é como se o século XXI tivesse chegado às nossas escolas” é a certeza de que trabalhos dessa natureza contribuem para recolocar a escola no centro da cena da educação de crianças e jovens e a assegurar a comunicação como direito de expressão e participação na cultura. 


Além de conhecer, compartilhar e discutir a respeito do papel e dos desafios da mídia-educação diante da cultura digital, há que pensar nas políticas públicas a esse respeito. Foi a ênfase dada na participação da Audiência Pública Promovida pela Comissão de Educação da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, no Seminário Sobre os Mecanismos de Comunicação na Aprendizagem Escolar, Através da Articulação Entre Mídia e Educação. Um espaço importantíssimo para reafirmar a importância de políticas públicas eficientes que dizem respeito tanto às políticas de inserção das TIC nas escolas como às políticas de formação inicial e continuada de professores a fim de assegurar propostas educativas na perspectivas de práticas transformadoras na escola. Ou seja, a necessidade de ultrapassar a dimensão do acesso instrumental à tecnologia na escola para pensar a questão da qualidade da inclusão digital na perspectiva da criação, expressão e mediação cultural da Mídia-educação como educação para a cidadania. Para tal, é fundamental pensar ações conjuntas entre universidade, poder público e organizações da sociedade civil.

Enfim, a partir dos diferentes espaços que participei e das diversas experiências que conheci, fica a alegria de perceber que muito daquilo que temos estudado e proposto no campo da mídia-educação a respeito da interlocução necessária entre educação, comunicação e arte está sendo desenvolvido em diferentes projetos do norte ao sul do  país. Isso reafirma não apenas importância das trocas, interlocuções e parcerias como também oxigena e renova nossos propósitos, pois além de perceber que não estamos sós, nos leva a pensar a possibilidades de redes multiplicadoras.

Não poderia deixar de destacar a hospitalidade e acolhida generosa do grupo GRIM/TVez e dos integrantes ENCINE/LACE, que além da participação em tais atividades permitiu verdadeiras incursões antropológicas pela cidade do sol, com inesquecíveis banhos de chuva que se transformaram numa verdadeira aventura no Dragão do Mar... 


Por fim, como o artista e poeta Arlindo Araújo lembrou na mesa de abertura do I Seminário Mídia e Educação: outra leitura de mundo é possível ao mencionar a poesia de Cecília Meireles “eu quero captar o instante já que de tão fugitivo não é mais porque a tornou-se um novo instante”, vale dizer que nesse olhar de passagem que deixa rastros, captar a força e a beleza do instante pode significar também a possibilidade de construir e compartilhar  novos projetos.

terça-feira, 22 de março de 2011

Algumas considerações sobre as políticas de avaliação contemporânea

Se no semestre anterior, o curso de Pedagogia da UFSC iniciou suas atividades letivas com a aula  inaugural “É preciso brincar para afirmar a vida: música e cultura na infância” com Lydia Hortelio mais a conferência de Lisete Arelaro sobre “Políticas de formação para professores da Educação Básica nos governos FHC e Lula”. Este semestre iniciamos discutindo a questão da avaliação, com a conferência de Luis Carlos Freitas “Políticas de Avaliação contemporâneas: transformação ou modernização”.

Pode ser instigante começar o ano letivo discutindo a questão da avaliação, tanto de sistemas quanto de aprendizagens e de programas curriculares, ainda mais num momento em que se discute o processo de implantação do novo currículo no curso de Pedagogia da UFSC e que temos pela frente a realização do ENADE. Mas que outras questões estão relacionadas a tais processos de avaliação?

Ao destacar a avaliação como política pública na área da educação a partir da alteração na posição estratégica que o capital internacional imagina para o Brasil, Freitas chamou  a atenção na política de avaliação e seus desdobramentos e repercussões na universidade e na educação básica.  No entanto, para ele, essa política não está sendo gestada pelas universidades e sim pelas grandes corporações, fundações, ongs e instituições privadas.

Num cenário de um país escolhido para investimento direto do capital internacional, por isso emergente, a posição que o Brasil ocupa hoje se destaca com políticas que estão minimizando a miséria extrema e a questão infra-estrutura e tecnologia, permanecendo ainda em aberto a questão da educação, e consequentemente, a questão da mão-de-obra e da produtividade. Entender essas demandas é fundamental para entender como tais políticas chegam até nós, nas escolas, nos modelos de universidade e nas políticas de avaliação que vão ganhando centralidade.

Nessa perspectiva, discutir a qualidade da educação pública implica discutir desde a carreira do professor e o papel de centralização do estado na educação básica, até a questão da aprendizagem, do rendimento e do desempenho do aluno que nos últimos nos têm sido traduzidos nos exames. Assim, entendida como instrumento de gestão, cria-se uma indústria da avaliação que se torna cada vez mais sofisticada e modifica a relação professor-aluno e ensino-aprendizagem, condicionando o orçamento da escola e em alguns casos pagando bônus ao professor, sobretudo a partir do desempenho dos alunos em exames, como por exemplo prova Brasil, Enem, Enade no plano nacional e PISA no plano internacional.

Do ponto de vista político-econômico, o sistema público de ensino vai perdendo força por diversos fatores, diz Freitas. Sem dominar esse tipo de tecnologia de avaliação, busca nas assessorias especializadas da indústria da avaliação identificar os problemas de alunos que não aprendem e encontra na indústria de tutoria a resolução de problemas de aprendizagem sem tocar no fundo da questão que origina tal quadro. E assim, como tudo é medido por testes, muitas escolas “deixam de ensinar” valores e conhecimentos fundamentais para a formação do sujeito na perspectiva da educar para a cidadania pois estão mais preocupadas em “preparar os alunos para os testes”.

No entanto, estudos demonstram que esse modelo de testes e medidas desta política de avaliação está substituindo questões centrais de uma política do que seria uma boa educação, e isso não tem repercutido na melhoria da aprendizagem e nem nos dados da educação. Alertando para essa troca de valores na matriz de referência, Freitas afirma que tomar conhecimento das questões mais amplas que orientam essa política de avaliação é um primeiro passo para se indignar. E por fim, conclui sua aula-conferência com duas perguntas no ar: Qual o projeto de nação para os jovens hoje? Desde quando nota alta é sinônimo de boa educação?

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

De volta e com "mais educação"




É muito bom retomar as atividades quando se está com as energias revitalizadas a partir da companhia de bons livros, filmes, viagens, natureza, e é claro, pessoas queridas.

Nas últimas semanas, o retorno ao trabalho teve um acontecimento especial: além de encaminhar as pendências, elaborar projetos, participar de banca e criar condições para um bom início do ano letivo, foi muito interessante participar de uma proposta, no mínimo, ambiciosa e inovadora: um momento de formação entre pares para estudo e elaboração de uma proposta de Educação Integral e de um Curso de Especialização para formar professores em tal perspectiva. Ou seja, o GT CED Educação Integral  pretende viabilizar uma série de encontros entre professores do CED e representantes das redes (municipal e estadual) para estudo e discussão de diferentes concepções de educação integral a fim de elaborar uma proposta de um curso de formação em nível de especialização a ser oferecido posteriormente pela UFSC, com apoio do MEC.

Na semana de encontros de “formação de formadores para educação integral”, foram apresentadas diferentes experiências de Educação Integral desenvolvidas em Florianópolis, São José e no estado de SC. Discutiu-se a respeito de algumas experiências clássicas e alternativas em nosso país (a Escola-Parque e o Projeto de Anísio Teixeira e as Escola-Parque em Salvador e Brasília, na década de 50; o CIEP e o projeto de Darcy Ribeiro no RJ nos anos 80; e outros projetos em andamento), experiências em outros países, como França e Finlândia, além de um breve olhar sobre os documentos oficiais.

Se a idéia não é nova, tendo grande produção acadêmica a esse respeito, é certo que faz parte de um intenso debate desenvolvido nos últimos anos em conseqüência das políticas públicas do MEC, das políticas de governo e das demandas sociais. Diante da complexidade que envolve o conceito de educação integral, tanto aquele proposto pelo Programa Mais Educação   como as concepções presentes em outras experiências, fica evidente o papel da universidade na problematização e construção de tal proposta, bem como a necessidade de redes necessárias para tal. 

Nessa perspectiva, o estudo seguirá com outros momentos de formação, que certamente serão permeados por intensos e inspiradores debates.

sábado, 18 de dezembro de 2010

UFSC 50 anos

 Entre as diversas comemorações relacionadas aos 50 anos da UFSC “produzindo conhecimento para um mundo melhor”, esta última semana foi bastante intensa na universidade e algumas atividades foram particularmente significativas , sobretudo por que de certa forma participei de alguns momentos que fizeram parte desta história, seja como estudante ou como professora e pesquisadora. 

A homenagem a uma professora do Centro de Educação que se destacou na pesquisa me encheu de orgulho, tanto pelo motivo de ter sido sua aluna durante minha formação como por ser sua colega hoje no programa de pós-graduação onde atuo. 

A sessão solene do conselho universitário reuniu diversos reitores relembrando suas gestões em diferentes momentos históricos, e isso me fez lembrar o quanto a ousadia de pequenas propostas  "político-administrativas" podem fazer a diferença na formação cultural de estudantes, como por exemplo as “aulas magnas” a todos estudantes da universidade com reconhecidos artistas convidados para se apresentarem numa imensa área do campus, ao ar livre, onde interagimos com o então maestro e diretor artístico da orquestra sinfônica brasileira Isaac Karabtchevsky, com o ator Paulo Autran, com o grupo de música latino-americana Tarancon e tantos outros que fizeram parte daquele projeto. 

O lançamento do portal dos egressos, criou um espaço institucional para os ex-alunos lembrarem os tempos da graduação, pós-graduação, seus aprendizados, suas aulas, assembléias, festas, passeatas, e  também compartilharem a saudade do ambiente da universidade e dos amigos  com quem dividiam aventuras, chateações, surpresas e descobertas de um mundo que se descortinava. Mesmo com as redes sociais cumprindo o seu papel, a grande maioria dos ex-alunos perdeu contato com os colegas de turma, pois afinal, cada um segue seu caminho e nem sempre deixa pistas por onde passa. Assim, foi emocionante ver a homenagem aos egressos formados há 50 anos e foi quase impossível não pensar em tantos que por aqui transitaram.

O lançamento do livro Trajetórias e desafios, resultado de um minucioso trabalho de pesquisa,  é um livro que conta de forma viva as diversas trajetórias percorridas pela universidade para falar da face da UFSC hoje. Aliás, será possível falar de uma única face ? Tem a que se destaca nos rankings de ensino, a das pesquisas de ponta sendo realizadas, a das atividades de extensão que encontra as comunidades, a que comunica todo esse conhecimento que vai sendo produzido e a que se prepara para os novos desafios. 

Ao escrever os textos que compõem esse livro, o objetivo das organizadoras (Roselane Neckel e Alita D. C. Küchler) era evitar que a criação e consolidação da universidade fossem reduzidas à ação pioneira de apenas alguns, muitas vezes apontados como heróis, e sim mostrar uma história que foi construída com a vida e o trabalho de diversos sujeitos, com o entusiasmo e o compromisso de homens e mulheres no dia a dia, em várias gerações que por aqui passaram, como o mosaico colorido do mural da reitoria que também ilustra a capa do livro. 

Diante dessa concepção, ao ter feito parte deste livro compartilhando um pouco de minha trajetória de professora e pesquisadora, só tenho a agradecer... por todas experiências que aqui vivi, pelas marcas que deixei e por aquelas que também ficam em mim

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Faces e movimentos do grupo de pesquisa


 Num momento em que se discute a atualização dos grupos de pesquisa cadastrados no CNPq, algumas questões têm orientado a discussão de aspectos que permanecem se impondo aos pesquisadores, o que exige uma avaliação e tomada de decisões.

Afinal, o que é e para que serve um grupo de pesquisa cadastrado no CNPq? Como deve funcionar? O que significa participar efetivamente de um grupo de pesquisa? Qual o perfil do grupo e de seus integrantes? O que o grupo propõe aos seus integrantes e como cada integrante contribui com o grupo?

Considerando que cada grupo tem a sua história, cultura, identidade, alma e personalidade construídas em torno de sua trajetória na confluência de interesses e necessidades pessoais de seus participantes com temas e perspectivas teórico-metodológicas adotadas, grupo de pesquisa implica em movimento. Movimento entre os pesquisadores que permanecem e os que estão de passagem, os mestrandos/doutorandos que chegam, se aproximam e transitam e os que se distanciam. Movimento que implica um processo de continuidades e rupturas, questionamentos e abertura para o novo. Movimento que como na dança, necessita uma sintonia mínima,  um ritmo e um equilíbrio entre os pares.

Nesse processo, busca-se lidar satisfatoriamente com as tensões provocadas pelos desejos internos das pessoas que fazem parte do grupo com demandas externas que regem as instituições a que estão vinculados. Nisso, evidencia-se o desafio de articular e aproveitar o que de melhor tem estas instituições com as identidades do grupo e seu perfil na busca de um trabalho com qualidade e sua necessária socialização e divulgação nos meios acadêmicos, científicos e/ou alternativos, pois  hoje, fazer pesquisa também implica em se comprometer com publicações.

Considerando que um grupo envolve pesquisa, ensino e extensão, é através da pesquisa que se investiga, sistematiza, produz e se faz avançar o conhecimento. Se o grupo de pesquisa tem compromisso com a produção de saberes e práticas, por também envolver orientandos vinculados a um programa de pós-graduação, tem também o compromisso político-pedagógico de produzir com qualidade e socializar suas produções. Ainda que a questão da qualidade seja sempre relativa, a socialização das produções faz parte da pesquisa, além de ser fundamental para estabelecer diálogos e interlocuções com o território e outras fronteiras, para ter visibilidade e dar a sua contribuição para além da pressão das agências de fomento e do programa institucional.

E para que o grupo de pesquisa possa se constituir de fato, esse processo implica a participação efetiva dos envolvidos. Parece óbvio, mas sem isso, fica apenas uma aproximação de pessoas, não necessariamente um grupo, pois não bastar “estar”, há que participar das diferentes atividades de estudo, formação e extensão que qualificam  o grupo e a pesquisa.

Evidentemente cada grupo de pesquisa possui uma dinâmica própria, mas em geral, para que o grupo funcione, além de pesquisas que possam agregar as diferentes pessoas há que se fazer encontros regulares e sistemáticos para discutir tanto os assuntos pertinentes à pesquisa e outros encaminhamentos que envolvem questões de ordem operacional, quanto para realizar estudos temáticos com aprofundamentos teóricos e conceituais constituindo-se em ambiente propício para a formação.Ter pesquisas aprovadas por órgãos competentes e fontes de financiamento permite certa aproximação de novos pesquisadores aos projetos existentes, o que não impede que outras abordagens e perspectivas se desenvolvam. De qualquer forma, para que isso ocorra é necessário organização, disciplina intelectual e compromisso com tal participação, que por mais singular que possa ser, pode ser entendida como uma condição para permanecer no grupo, sejam orientandos, pesquisadores assistentes ou pessoas interessados nos temas de estudo. Ainda que se possa discutir o conceito de participação e suas nuances, estar envolvido em algum projeto de pesquisa, participar de atividades de formação, e/ou de ensino e extensão é também uma condição para formar pesquisadores.

Dessa forma, a organização e o funcionamento do grupo possibilitam a seus participantes não apenas um trabalho de pesquisa em parceria mas também atividades de formação, ensino e extensão, que serão construídas conforme o que  cada um tem para contribuir com o grupo e suas diferentes formas de produção coletiva. Produção que possa ter uma reflexão original, um pensamento próprio e profundo sem perder a generosidade, o reconhecimento aos interlocutores e o compromisso com as dimensões éticas e estéticas da formação.

É mais ou menos isso que buscamos com o NICA, o grupo de pesquisa Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e Arte, grupo que possui linhas de pesquisa articuladas pela ênfase dada na importância da Arte, da Comunicação, da Cultura na Educação. Grupo que é formado por “gente que gosta de inventar, pesquisar, estudar e devolver à comunidade não só de seus pares mas do conjunto da sociedade, o resultado de seu esforço, no momento” como diz uma de suas fundadoras, Telma PiacentiniO mundo caminha e precisamos sempre deixar uma abertura para o novo, o diferente, o que não está ainda integrado aos projetos existentes...E nisto, o NICA pode dar exemplo, pois nasceu sob este signo: gosta do diferente, do que não existe ainda, mas pode existir, pois não tem medo  de desafios”.

Se isso é verdade, resta-nos enfrentar os desafios do momento com leveza e rigor, tanto na coordenação do grupo quanto no desenvolvimento de nossas pesquisas, na escolha e consolidação de parcerias, na ampliação de vínculos com outros grupos de pesquisa, enfim, nos caminhos e estratégias que traçamos para investigar esses e outros sentidos nos processos formativos e nos diferentes itinerários educacionais.

Imagem: Henry Matisse, A dança, 1910

sábado, 27 de novembro de 2010

O método como desvio e a pesquisa com/sobre criança e mídia

 
A verdade sai da boca das crianças. Muito próximas ainda da natureza, são primas do vento e do mar; seus balbucios oferecem a quem sabe ouvi-los, largos e vagos ensinamentos
J. P. Sartre – As palavras

Criança é enigma, ultrapassa as fronteiras de nosso entendimento quando usamos apenas a razão, escapa ao nosso poder e daquilo que muitas vezes temos a oferecer a ela, nos surpreende com perguntas, olhares, gestos e inversões que parecem brilhar fora desse nosso limite e para alguns, nunca será possível capturá-la com nossos saberes e práticas. Enfim, criança nos desafia e a pesquisa com criança mais ainda.

Então como é possível nos aproximar desse universo da criança? Que encontros são possíveis para decifrar esse enigma que tantas vezes se constitui em sujeitos de nossas pesquisas no campo da mídia-educação?

Talvez uma primeira possibilidade seja a de nos aproximar das crianças, procurar saber o que elas pensam, sentem e dizem sobre sua experiência com a cultura – desde jogos e brincadeiras até artefatos da cultura, da mídia e da tecnologia. Captar os olhares das crianças sobre as interações que estabelecem com tais produções e com o outro, os contextos e significados que essa experiência pode ter é uma das condições para pensar em mediações possíveis que cruzam os territórios da educação formal e informal.

Ao concordar com Sartre nas palavras da epígrafe acima, não podemos esquecer que a especificidade das vozes e dos olhares das crianças também estão atravessados pelas mediações do mundo adulto em suas diversas expressões através da cultura. E nas falas das crianças é possível perceber desde obviedades até estranhamentos e sofisticadas impressões que desafiam nossa capacidade de interpretar os possíveis significados que se movimentam nos sinuosos caminhos da mediação adulta.

No entanto, para captar a especificidade das interações das crianças, seus olhares, falas, silêncios e gestos, que muito nos dizem sobre a experiência da significação a partir da cultura lúdica, mídia e tecnologia, não basta nos aproximarmos delas para saber o que elas dizem. É preciso estarmos alicerçados em instrumentos teórico-metodológicos que ajudem a investigar tais sentidos, e foi na compreensão de Benjamin sobre o “método como desvio” que buscamos inspiração para entender a relação das crianças com as mídias em uma pesquisa sobre criança, cinema e mídia-educação.

Entender o método como desvio significa a renúncia à discursividade linear da intenção particular em proveito de um pensamento minucioso e hesitante, que sempre volta ao seu objeto por diversos caminhos e desvios.

Caminhos que incluem diferentes formas de aproximação com o objeto, o uso de diversas técnicas de pesquisa e suas problematizações para não cair nas “armadilhas” que os sujeitos de pesquisa nos preparam, a relação entre criança e pesquisador, o diálogo como princípio educativo, a produção de mídia com crianças, a dimensão de autoria e tantas outras questões que asseguram outras formas de participação das crianças na pesquisa e na cultura.

 Assim, discutindo como algumas pesquisas com criança e mídia, através da experimentação didática, da intervenção educativa e da pesquisa-ação podem se constituir em experiências de mídia-educação, encerramos as abordagens teórico-metodológicas no Seminário de Dissertação ECO I. 

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A pesquisa na perspectiva pós-estruturalista

Ao continuar a discussão a respeito das diferentes ênfases teórico-metodológicas e abordagens da pesquisa em educação e comunicação na disciplina Seminário de Dissertação I, PPGE/UFSC, essa semana tivemos a presença do Prof. Wladimir Garcia falando sobre as possibilidades da pesquisa na perspectiva pós-estruturalista.

Considerando que não há uma epistemologia nas Ciências Humanas, há que se fazer um esforço para pensar as possibilidades de sistematização. Se o conhecimento nas artes é sistematizável, "arte é sensação", "cultura é paisagem", há que buscar imagens móveis e flexíveis para essas novas matérias. Assim, o professor falou de sua experiência com a pesquisa e da possibilidade do ensaio, entendendo a dissertação/tese como um trabalho de passagem, como uma verdade provisória e um “pensamento fraco”, como diz Gianni Vattimo. Para Wladimir, o ensaio seria como um working progress, uma análise e um trabalho que de certa forma nunca acaba, e numa analogia com os conceitos de luto e perda na psicanálise, seria como parar de chorar mas sabendo que a dor permanece.

Ao falar dos três ensaios sobre o tempo, o espaço e a linguagem, como linha de fuga e espaço de criação no seu trabalho "O cometa e o bailarino: a modernidade em Murilo Mendes", ele revelou sua poética sincrônica. Ou seja, o cruzamento entre os eixos diacrônico (relação do autor com sua história e seu devir) e sincrônico, a dança que se realiza no corte do tempo presente e que se mantém (a partir das relações com autores, parceiros, grupos de pessoas) com comunidades desejantes que alimentam e motivam o nosso pensar.

Wladimir enfatizou que na construção da pesquisa, a idéia do desenho é fundamental. Um desenho que estrutura o pensamento e a partir dessa estrutura se percebe as tensões internas, os conflitos produtivos (que é a grande lição da pós-modernidade). Nem sempre é necessário (e possível) eliminar as tensões, e às vezes elas se transformam em paradoxo, "melhor ainda quando nesse percurso encontra uma aporia", diz ele.

Se hoje escrever uma tese por ensaio, com partes independentes que se relacionam, pode ser considerado algo comum, foi uma conquista fruto de um trabalho de pequenas rupturas. E hoje, a ruptura parece ser outra, como a idéia do limiar, de um portal de entrada. Esse limiar ou portal de onde se vislumbra coisas novas também é anacrônico, e o antigo vira novo. E então Wladimir recupera a idéia de “índice como hipótese”, trabalhado por Umberto Eco, para compor os traços do desenho a ser construído na tese.

Ou seja, o índice como hipótese de trabalho, como estrutura relacional, parte e expressão do trajeto inicial, um plano de trabalho em movimentos. Nesses movimentos, os conceitos são cintilações, micro-explosões, epifanias, achados e quando o pesquisador percebe que o conceito pulsa e o atinge, como o punctum de Barthes, ele constrói a escrita.

Nesse desenho da pesquisa, o mapa conceitual pode ser uma forma de articular os diferentes conceitos e os campos conectores que se relacionam entre si e com grandes eixos ou traços. O arcabouço conceitual é a caixa de ferramenta para o pesquisador abrir e usar quando precisa. A partir desse desenho, o trabalho vai se construindo e reconstruindo e pode ser visto como criação, que exige rigor e domínio conceitual. Criação que se origina na “situação problema”  e na pergunta “Isso faz questão para mim?”

E para mostrar como essas questões se transformaram em teses e dissertações, Wladimir colocou na roda alguns trabalhos que escapam do formato convencional, trabalhos com técnicas vigorosas e inovadoras, exercícios de bricolagem, trabalhos espacializados, diálogos entre imagens e texto para além da ilustração e das relações hierárquicas da produção textual, performances, mistura de gêneros, estruturas convexas, “comédia intelectual”. Enfim, outros formatos para dar corpo para o objeto, “uma forma que pensa” e para isso, a busca da intencionalidade da forma. Nesse trabalho como ruptura, a crítica pode ser criação e a liberdade não é dissociada do rigor nem da forma.

Nessa perspectiva, o pós-moderno não vem superar o moderno, mas pode ser entendido como um estado agônico que vem problematiza o que se instala nas próprias fendas e rachaduras do existente como um devir.  No entanto, esse tipo de trabalho acadêmico e de leitura não é simples, exige abertura, ousadia e um outro nível de elaboração. Há que saber ler.

E como indicação de leituras, O rumor da língua, de R. Barthes, sobretudo os textos “Jovens pesquisadores” e “Concedamos a liberdade de traçar” , e o texto de sua autoria, Pós-modernidade e diferença, onde se encontram alguns elementos teóricos do pensamento pós-estruturalista que influenciam a pesquisa. Elementos que não existem de forma orgânica e sim criativa, como destaca Wladimir, para serem inspiradores da produção da diferença, que pode ser feita em qualquer direção.

domingo, 7 de novembro de 2010

Monteiro Lobato entre a literatura infantil e o considerado "politicamente correto"


Tenho acompanhado a polêmica sobre o Parecer do CNE que sinaliza a possível exclusão de Monteiro Lobato das listas de literatura infantil dos livros nas escolas brasileiras por seu "conteúdo racista". Em jornais, listas, redes sociais, escolas e conversas de corredor diferentes pessoas  que atuam ou não no campo da educação, literatura, formação de professores e infância têm se manifestado de diferentes formas.

A princípio a notícia causou-me espanto e aos poucos foi se transformando em indignação: como pode termos representantes de um Conselho Nacional de Educação com um raciocínio tão estreito sobre uma obra que pode ser considerada um clássico da literatura infantil? Evidentemente toda obra de arte e, nesse caso, todo livro deve ser analisado no contexto histórico de sua produção e recepção (e se quisermos ir além, no contexto de mediação em que a obra circula e produz os mais diferentes significados a partir das interações que propicia). Assim, me pergunto o que pode significar proibir a circulação de determinados clássicos da literatura nas escolas por seu pretenso “conteúdo racista”? Que concepção de leitura, intertextualidade, dialogia, polifonia, e sobretudo, de agência do sujeito estaria por trás dessa representação? 
      
Como contribuição ao debate, o texto de Marisa Lajolo, uma das maiores especialistas em Monteiro Lobato,  Quem paga a música escolhe a dança? explica do que trata Caçadas de Pedrinho. Ela opina sobre o imenso equívoco que a seu ver “incorrem o denunciante e o CNE que aprova por unanimidade o parecer da relatora, o episódio torna-se assustador pelo que endossa, anuncia e recomenda de patrulhamento da leitura na escola brasileira. A nota exigida transforma livros em produtos de botica, que devem circular acompanhados de bula com instruções de uso.  O que a nota exigida  deve explicar? O que significa esclarecer ao leitor sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos na literatura? A quem deve a editora encomendar a nota explicativa ? Qual seria o conteúdo da nota solicitada? A nota deve fazer uma auto-crítica (autoral, editorial?), assumindo que o livro contém estereótipos? A nota deve informar ao leitor que “Caçadas de Pedrinho” é  um livro racista?  Quem decidirá se a nota explicativa cumpre efetivamente o esclarecimento exigido pelo MEC?” 

Além desse argumento, tem também a carta da escritora Ana Maria Machado posicionando-se contra qualquer forma de veto ou censura à criação artística, pois em vez de proibir  "seria melhor que os responsáveis pela educação estimulassem uma leitura crítica por parte dos alunos. Mostrassem como nascem e se constroem preconceitos, se acharem que é o caso. Sugerissem que se pesquise a herança dessas atitudes na sociedade contemporânea, se quiserem. Propusessem que se analise a legislação que busca coibir tais práticas.  Ou o que mais a criatividade pedagógica indicar. Mas para tal, é necessário que os professores e os formuladores de políticas educacionais tenham lido a obra infantil de Lobato e estejam familiarizados com ela. Então saberiam que esses livros são motivo de orgulho para uma cultura. E que muito poucos personagens de livros infantis pelo mundo afora são dotados da irreverência de Emília ou de sua independência de pensamento. Raros autores estimulam tanto os leitores a pensar por conta própria quanto Lobato, inclusive para discordar dele. Dispensá-lo sumariamente é um desperdício". Enfim, teriam muitos outros artigos, como Monteiro Lobato no tribunal literário, de Aldo Rabelo, e diversas outras manifestações nesse sentido, como a da Academia Brasileira de Letras e da OAB, além de um abaixo assinado contra tal parecer circulando pelas listas e redes.

Afinal, seguindo a lógica da proibição, podemos perguntar se seria apenas uma questão de tempo para que outros “clássicos da literatura universal” sejam igualmente excluídos das listas de livros das escolas por seus conteúdos considerados “politicamente incorretos”? Será que a proibição é a forma mais educativa de trabalhar com diferentes facetas da produção cultural? 

Imagem: Reprodução de foto de Monteiro Lobato
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult10082u647895.shtml

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Estudos culturais e a pesquisa em educação

Na seqüência da participação especial no Seminário de Dissertação Educação e Comunicação I, que ministro no PPGE/UFSC, no encontro dessa semana, nosso convidado foi o Prof. Leandro B. Guimaraes que contou um pouco sobre sua trajetória de pesquisador e suas aproximações com os Estudos Culturais e a pesquisa em educação. 

A história da linha pesquisa dos Estudos Culturais Educação, na UFRGS, foi se construindo desde 1996 na área de Currículo, e não é a toa que até hoje os estudos do currículo em nosso país tem forte ênfase pós-estruturalista, com se pode ver nas produções do GT da Anped. Considerando que essa perspectiva hoje não seja hegemônica, é a noção de pedagogia cultural que passa a ser a unificadora das diferentes perspectivas. Considerando também que as verdades se reinventam, hoje a própria noção de pedagogia cultural está sendo revisitada, ou colocada sob rasura, como diz Leandro. Para ele, tal noção está diminuindo suas potencialidades para as investigações que vem operando, como sugere no texto Das pedagogias culturais aos dispositivos artísticos: (de) compondo educações ambientais. E então, junto a outras noções do contemporâneo que vão se configurando na sua pesquisa, ganha força a noção de dispositivo e de delicadeza.

No campo da pesquisa em educação nessa perspectiva, os conceitos de cultura, representação, identidade, consumo cultural, e resistência são fundamentais para entender o circuito da cultura (Stuart Hall, Johnson), os modos de produção e recepção dos artefatos culturais e  suas práticas de significação. No entanto, se a maioria das pesquisas nesse campo, fortemente amparado na matriz britânica dos estudos culturais, enfatiza o deslocamento do sujeito como enunciador, passando a pesquisar sobretudo os artefatos em si, o que representam em sua dimensão pedagógica (daí a importancia da pedagogia cultural), a vertente latino-americana começa a ganhar força como referencial das pesquisas na linha e recoloca o sujeito e a questão da produção dos artefatos em cena. Assim, os conceitos como hibridação, articulação e mediação vão complexificando as questões que vão sendo operadas no campo da pesquisa. 

Se nas pesquisas iniciais o político era mostrar como as produções eram feitas com a intenção de desnaturalizar o óbvio, novas questões vão sendo colocadas em cheque.

Afinal, o que quer a pesquisa? E o que a pesquisa passa a querer quando você é capturado por ela?, pergunta Leandro. E antes de responder sobre o papel da nossa agência, ou seja, sobre a possibilidade de agência da investigação, do pesquisador e do próprio campo político, o documentário Acontecências, de Alice Villela e Hidalgo Romero, instiga o nosso pensar.


A partir da narrativa fílmica, uma pesquisadora mostra e narra seu percurso investigativo em uma aldeia indígena e seu processo de transformação de si. Mostra como as perguntas e questões iniciais da pesquisa vão se transformando e construindo novos significados, sobretudo a partir da narrativa das imagens. E aqui, uma questão para o pesquisador pensar sobre a  diferença sutil entre se colocar no texto e viver a experiência da transformação de si. Experiência que não necessariamente garante a transformação do outro, experiência molecular, mas que pode ser geradora de micropolíticas que acontecem em âmbitos menores.

Certamente isso nos leva a pensar nas múltiplas significações que estão em jogo quando se faz pesquisa. Se entendermos a pesquisa como um ato criativo que potencializa espaços de criação, agência e expansão do pensamento e que pode disseminar a criação de alguma coisa, poderíamos acrescentar a dimensão da criação naquele circuito da cultura.  

domingo, 31 de outubro de 2010

Entre arte e filosofia: possíveis abordagens de pesquisa



Uma das propostas da disciplina Seminário de Dissertação I, da linha Educação e Comunicação, que estou ministrando no PPGE/UFSC, é conhecer as diferentes abordagens teórico-metodológicas  da pesquisa  trabalhadas na linha.  No último encontro, o  Prof. Nestor Habkost participou da aula contando um pouco de sua trajetória de pesquisa,. Discutindo a  “questão do método”  a partir das Desregulagens, de Laymert Garcia, falou dos enquadramentos possíveis da pesquisa naquilo que silencia mais do que tem a dizer. Compartilho algumas reflexões que fizemos.

Se todo objeto de pesquisa é por natureza complexo, a questão de como trabalhar a complexidade parece estar mais relacionada ao problema do que ao método, afinal, sem problema não há pensamento, e é construindo bem o problema que o método aparece.  Ao problematizar o próprio ato de pesquisar, o método deixa de ser um a priori e passa ser quase um a posteriori, em que no “vai e vem” com o objeto o pesquisador vai explorando um território a ser descoberto sem eliminar as perspectivas do trajeto, apenas sem definir previamente. No texto “Os intelectuais e o poder”, Foucault enfatiza que a teoria nasce da relação com o objeto, rompendo com o método clássico da Filosofia e de certa forma invertendo o problema ontológico, que não seria mais o quê  e  por quê, e sim como. Esse novo jeito de fazer filosofia  pode dar outro tipo de consistência ao pensamento em relação ao problema  de pesquisa, onde a consistência ao pensado se constrói nos conceitos, por natureza  múltiplos,  e em suas articulações do começo ao fim da pesquisa,  que permitem trabalhar os problemas.

Construir bem um problema e uma trama conceitual sobre ele, trama tecida no exercício do pensar, explicitar, e escrever não exclui o sentir. Mas aí, a questão que se coloca é como lidar com as sensações quando está se pensando. Ou seja, explicitar as percepções pelo pensamento não elimina as sensações que sempre estarão presentes nos deslocamentos do pensar. E esse sentir muitas vezes pode servir de estímulo ao pensamento, ainda mais se considerarmos a conhecida idéia de que o prazer e o desejo movem o conhecimento, tal como Eros, deus do amor se move amorosamente em busca do conhecimento, por amor ao querer conhecer.

E pensando nisso, parece que mais do que estimular, a pesquisa  está intimidando o pensar, sobretudo quando regida por um tempo das instituições que nem sempre coincide com o tempo de aprendizagem dos sujeitos. E então Nestor provoca: o que está existindo  não é amor, é o terror em relação ao pensamento. E pergunta: que anti-pedagogia é essa?

Numa referencia a Deleuze, dizendo que certos textos podem ser lidos como quem escuta uma música, Nestor pergunta que leituras são essas que fazemos sem escutar o texto e sem deixar tocar pela palavra do outro, como algo que nos faz vibrar e dar sentido à leitura?  Se toda palavra tem canto e plumagem, como dizia Guimaraes Rosa, tem algo para ser visto e ouvido, e então há que se perguntar sobre o que fazemos com aquilo que nos toca?

Recuperando a idéia de rizoma e os conceitos de nomadismo, deslocamentos e quebras de hierarquia sobre um território em busca de novos encontros que determinarão o movimetno do pensamento, Nestor enfatiza que  o pensador [e também o pesquisador] se desloca em função daquilo que potencializa a capacidade do pensar. Assim, o pensar depende de encontros,  e não apenas  daquilo que já existia, como diz a filosofia clássica. Em função do encontro,  sou forçado a pensar e me movo em direção das coisas que propiciam esse pensar.

E aqui, as idéias de Spinoza, plenas de força e beleza, trazem o Conatus, o desejo como vontade de  perseverar na existência, manter-se vivo, num processo imanente na própria vida, que não está no fim, mas na finalidade. Nessa perspectiva, determinados encontros podem ampliar e favorecer, ou mesmo diminuir, essa potencia da ação intelectual e como critério para perceber em que medida ela aumenta ou diminui,  Spinoza situa os dois signos: alegria e tristeza, que seriam parte da teoria dos afetos primários. A alegria seria entendida como passagem de uma perfeição menor a uma perfeição maior, sensação de plenitude; e a tristeza seria o contrário, o estado que diminui o poder de atuar.

E diante desse preâmbulo, Nestor contou um pouco sobre os encontros e deslocamentos de suas pesquisas sobre imagem e palavra nos diversos meios de expressão analisando o “artista como criador de si mesmo” (Nietzche) e uma “estética da existência”. Na primeira pesquisa ele compôs a sua poetografia como teoria,  revelando os traços essenciais da obra do artista brasileiro Ismael Nery  que permite dizer a inscrição poética. Analisando a forma como  o sujeito se auto-inventou, ou como o sujeito se transforma no que é pela sua obra, ele foi constriundo os passos para compreender essa teoria num percurso que foi à obra  que explicitava a vida do artista, saiu da obra e foi para o contexto, e então à teoria, para sustentar o movimento de sua percepção. Nesse movimento do “corpo a corpo” na pesquisa, Nestor foi traçando um método que ele chamou de poetografia, fruto da necessidade de criar um conceito para dizer o que queria e precisava dizer, ou seja, ele criou um conceito para explicitar e dar sustentação ao seu problema. Na segunda pesquisa analisou a obra do artista argentino Xul Solar, para compreender a linguagem que ele construiu na sua obra de arte, sempre explicitando como o método foi surgindo no percurso de sua pesquisa.

Enfim, como a pesquisa envolve encontros e um contínuo movimento de construção de um problema  e criação de uma prática cientifica e estética, em que os diferentes deslocamentos  certamente determinarão o movimento do pensamento, estou certa que a participação do Nestor em nossa disciplina não apenas propiciou um lindo encontro mas sobretudo permitiu  aumentar a potência de ação do nosso pensamento, trazendo também muita arte, poesia e alegria. 

Imagem: Drago, de Xul Solar. Fonte http://www.agecom.ufsc.br/index.php?secao=arq&id=9815